Estadão
27/02/2020

O coronavírus põe em risco a atividade global e a retomada econômica do Brasil

Maior ameaça à economia mundial neste momento, o coronavírus acaba de chegar ao Brasil, aumentando a incerteza sobre a recuperação do País em 2020. O primeiro caso de contaminação foi anunciado na terça-feira de carnaval. No dia seguinte as ações despencaram. Minutos depois de aberta a bolsa, seu principal indicador, o Ibovespa, havia caído 3,95%. A queda ainda chegaria, em pouco tempo, a mais de 5%, indo além, depois, dos 7%. O dólar havia saltado para R$ 4,415 e atingiria mais tarde R$ 4,44. Esses números caracterizaram o primeiro susto. Riscos para a economia brasileira e respostas políticas ainda estão para ser avaliados.

Na Ásia e na Europa, os mercados já haviam tombado, refletindo as últimas novidades sobre a doença. Não se deve ainda falar de pandemia, havia recomendado a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas o vírus, agora chamado Covid-19, já se havia manifestado em 2.790 casos fora da China, em 37 países.

O cenário mundial era muito menos assustador uma semana antes, quando a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, falou sobre perspectivas e riscos da economia a ministros do Grupo dos 20 (G-20) reunidos na Arábia Saudita. Em janeiro, economistas do Fundo haviam projetado crescimento global de 3,3% em 2020 e 3,4% em 2021. A expansão em 2019 devia ter ficado em 2,9%, segundo as últimas estimativas.

O quadro estava um pouco melhor, com a redução das tensões comerciais, mas sobravam incertezas. A mais nova, pouco visível em janeiro, estava associada a um problema de saúde. Mas faltava saber a gravidade da epidemia. Um surto mais forte e mais espalhado, disse Georgieva, afetaria fortemente a China. Seu impacto mundial seria ampliado pela ruptura de cadeias de fornecimento (no setor eletrônico, por exemplo) e por uma queda maior da confiança dos investidores.

Poucos dias bastaram para a pior hipótese começar a materializar-se. No dia 19, Georgieva se manifestou, o surto estava concentrado na China e em poucos pontos fora do território chinês. No dia 25, casos de contaminação e de mortes estavam confirmados em vários países. Ontem, o balanço da OMS incluiu 37 países, mas sem mencionar pandemia. No Brasil, o Ministério da Saúde apontou 20 casos suspeitos, 1 confirmado e 59 descartados.

Com ou sem pandemia, as sirenes de alerta econômico já haviam soado. O secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, pediu medidas de estímulo aos governos para evitar uma nova crise global. “Já temos uma desaceleração sem o coronavírus e agora vem a doença”, afirmou, Ao falar em desaceleração, Gurría se referiu ao desempenho efetivo da economia em 2019 e no começo de 2020, com resultados inferiores aos previstos. Também ontem a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, voltou a pedir aos governos da zona do euro medidas fiscais para animar as economias do bloco.

Dirigentes de instituições internacionais, incluído o FMI, vêm desde o ano passado pedindo ações baseadas no orçamento, para impulsionar a atividade. Os bancos centrais, segundo argumentam, já deram a contribuição possível, levando os juros a níveis muito baixos, emitindo moeda e facilitando o crédito. Ocasionando novas ameaças à economia, a epidemia do coronavírus torna ainda mais necessárias essas políticas de sustentação da atividade.

No Brasil, estímulos têm dependido basicamente das ações do Banco Central. Com as contas em mau estado, o Executivo tem pouco espaço para incentivos. Além disso, a equipe econômica tem mostrado pouco interesse em medidas de curto prazo. Mas o coronavírus traz desafios difíceis de ignorar. Pode afetar exportações já fracas, dificultar a importação de componentes importantes e frear uma recuperação já vagarosa. O risco sanitário é também um risco econômico sério e socialmente custos.