Por Arícia Martins – Valor Econômico

26/08/2019 – 05:00

Alterar o modelo atual do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) rumo a um sistema de previdência complementar aumentaria o nível de poupança nacional e ajudaria a consolidar o ambiente de juros baixos que o Brasil vivencia hoje. A avaliação é do economista Samuel Pessôa, que está trabalhando em ideias de reformulação do fundo a pedido do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Segundo Pessôa, os estudos para reformular o FGTS estão em fase preliminar e não têm prazo para serem apresentados ao Congresso, mas parece existir abertura para discussão do tema pelos parlamentares, que poderiam incluir alterações na Medida Provisória 889. “Se houver entendimento da classe política que esta proposta é desejada e boa, o texto da MP pode ser mudado”, disse ele. Foi por meio dessa MP que a equipe econômica liberou os saques de R$ 500 de contas ativas e inativas do fundo, que vão ocorrer a partir de setembro.

Ao participar da premiação do “Valor 1000” na semana passada, Maia criticou a baixa remuneração do FGTS, que rendeu menos do que a inflação em todos os anos de 2005 a 2015, e sugeriu que a medida atual do governo que libera recursos no curto prazo inclua também mudanças mais ambiciosas no fundo.

“Tem que aproveitar a oportunidade [da MP]. No curto prazo, você liberar recursos para ativar alguma coisa na economia é bom, mas no médio e longo prazo tem que estimular a poupança”, disse o presidente da Câmara. “A gente tem que pensar outro modelo, em que o orçamento público financie a habitação. Vai sair uma proposta ao menos para debate. Se vai ser aprovada ou não, eu não sei”, completou.

Pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e sócio da consultoria Reliance, Pessôa lembra que instituir o FGTS como o sistema público de previdência complementar não é uma ideia nova.

O primeiro economista a defendê-la, há 15 anos, foi Persio Arida, um dos formuladores do Plano Real e ex-presidente do BNDES e do Banco Central.

“E é algo que faz todo sentido. Dado que já temos o seguro-desemprego, temos um mecanismo para assegurar renda quando a pessoa perde o emprego. Deveríamos dar outros destinos ao FGTS”, argumenta Pessôa.

De acordo com ele, o regime atual de aposentadorias por repartição seria mantido, e os recursos do FGTS seriam complementares, e transformados em uma poupança compulsória de longo prazo do trabalhador, para o momento da aposentadoria.

Dessa forma, o objetivo do ministro da Economia, Paulo Guedes, de criar um regime previdenciário de capitalização seria atingido, com a vantagem de não haver um custo fiscal de transição, afirma o economista, uma vez que os recursos do FGTS já existem. Para eliminar também custos de gestão, poderia ser usada a ferramenta do Tesouro Direto, cujos títulos seriam referência para os rendimentos do fundo.

“Se transformarmos o FGTS numa poupança do trabalhador aplicada no Tesouro Direto, não precisaria mais ter conselho de administração do fundo, e os custos seriam zero”, disse Pessôa, lembrando que algumas instituições financeiras já ofertam títulos do Tesouro com custo de administração nulo.

Outro benefício da mudança pretendida por Maia, acrescenta o pesquisador do Ibre, é que ela contribui para que os juros permaneçam em nível reduzido por mais tempo, ao elevar a poupança de longo prazo do país. Assim, obras de infraestrutura hoje financiadas pelo FGTS, com destaque para projetos de habitação popular e saneamento básico, não seriam prejudicadas. “Os custos de financiamento de habitação própria e infraestrutura serão mais competitivos se perenizarmos essa transição para um juro básico civilizado”.

Como os recursos do FGTS já estão comprometidos com uma série de programas, as regras de transição do modelo atual para o novo precisariam ser longa, pondera Pessôa, que ainda não definiu o prazo a ser proposto. “Os contratos atuais precisam ser mantidos, não pode haver quebra”.