Valor Econômico
20/07/2021

Por Luísa Martins

Lei estadual previa que empresas de água e esgoto atuassem juntas para monitorar uma série de fatores, incluindo carga viral de covid-19 nos mananciais do Estado

Por 21 votos a 4, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) derrubou uma lei estadual que criava uma série de obrigações a serem cumpridas por concessionárias de água e esgoto durante a pandemia.

A norma previa que as empresas executassem um “Plano Conjunto Emergencial” que incluía, por exemplo, o monitoramento de cargas virais de covid-19 nas unidades de tratamento e nos mananciais; a retomada de investimentos em saneamento, especialmente nas favelas e periferias; e a realização de avaliações gerais sobre a vulnerabilidade hídrica do Estado.

A Associação Brasileira das Concessionárias de Água e Esgoto (Abcon) entrou com ação afirmando que as novas regras trouxeram um ônus milionário às empresas, sem previsão de repasse dos custos nas contas dos consumidores, além de insegurança jurídica e desequilíbrio econômico-financeiro aos contratos.

De autoria das deputadas Mônica Francisco e Dani Monteiro, do Psol, e do presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), a lei foi sancionada em dezembro pelo governador Cláudio Castro, mas, devido à sua complexidade, ainda não estava, na prática, sendo inteiramente aplicada.

Mesmo assim, sua suspensão trouxe alívio aos três consórcios que venceram o leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) em abril – e que agora ficam desobrigados de adotar as medidas.

No julgamento de ontem, a maioria do colegiado acompanhou o voto da relatora, desembargadora Marília Castro Neves, que viu na lei indícios de “vício de inconstitucionalidade”. Ela também considerou que a norma tinha potencial de “provocar aumento de despesas para as concessionárias, sem indicação de contrapartida, podendo por isso, causar prejuízo na prestação dos serviços à população”.

A decisão do Órgão Especial foi em caráter liminar. O colegiado deve voltar a se reunir oportunamente para analisar o mérito da questão, mas ainda não há data definida para isso.

Quatro desembargadores apontaram que lei foi aprovada dentro da normalidade, em razão da competência conferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que todos os entes federativos pudessem tomar providências quanto à pandemia. Eles destacaram, ainda, que a lei tutelava a saúde pública, mas ficaram vencidos ao final.

Para a maioria, os dispositivos da lei eram demasiadamente genéricos e não estavam ancorados em estudos técnicos criteriosos, além de gerarem impacto financeiro significativo nas concessões e aumentarem o risco de litígios com o Estado.

Os 24 desembargadores apontaram que, primeiro, legislar sobre a concessão de serviços públicos é prerrogativa exclusiva do Poder Executivo. Depois, que o contrato de concessão é “ato jurídico perfeito” que não pode ser modificado por eventuais leis supervenientes, de acordo com diversos precedentes do Supremo.

Procurado, o advogado da Abcon, Bruno Calfat, disse que “a decisão afasta a aplicação de uma lei inteiramente inconstitucional, tanto sob a ótica formal quanto material”. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) não comentou.