Por Rodrigo Carro – Valor Econômico

01/04/2019 – 05:00

A contratação pelas prefeituras de serviços terceirizados – seja como forma de atender a demandas básicas da população ou de manter-se dentro dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – está se refletindo na saúde financeira dos municípios. Quase três quartos das cidades brasileiras terminaram 2017 em situação financeira delicada ou crítica por conta do acúmulo de despesas com pessoal, inativos e – principalmente – serviços de terceiros, conforme indica uma levantamento do Observatório de Informações Municipais (OIM).

Com base em dados de 5.461 cidades brasileiras (98% do universo total), o estudo aponta a diminuição dos investimentos municipais como consequência direta desse estrangulamento financeiro.

“Quando se levam em consideração as despesas com pessoal e encargos e os gastos com aposentados e pensionistas, a maioria dos municípios apresenta situação entre boa e razoável”, afirma François Bremaeker, gestor do OIM.

O panorama financeiro muda drasticamente quando se adicionam os gastos com serviços de terceiros. Somadas os três tipos de despesas (pessoal, inativos e terceirizados), apenas 2% dos municípios apresentam boa situação; 62,78% se encontram em condição delicada e 9,89% com as finanças em estado crítico.

A sobreposição de despesas engessa gradualmente os orçamentos municipais, o que acaba por restringir investimentos, analisa Vilma Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas. A economista destaca que o artigo de número 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que os valores de contratos de terceirização de mão de obra com o objetivo de substituir servidores e empregados públicos devem ser contabilizados como “outras despesas de pessoal”.

Estariam, portanto, sujeitos ao teto para a despesa total de pessoal estabelecido na LRF, que é de 60% da Receita Corrente Líquida (RCL).

Na prática, porém, a maior parte dos municípios brasileiros classifica esse tipo de contrato como “despesas com serviços de terceiros”, fazendo com que os gastos sejam excluídos do cálculo do limite. Pesquisa da Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgada em dezembro constatou que, de um universo de 4.132 cidades, apenas 10,2% classificavam os gastos com serviços terceirizados na categoria “outras despesas com pessoal.”

“Essa é uma dúvida recorrente [das prefeituras]. É, também, um debate permanente”, reconhece Eduardo Stranz, consultor da área de Estudos Técnicos da CNM. “Ao contratar um serviço terceirizado de saúde você não está remunerando um médico. Está pagando por um número X de consultas”, argumenta.

Embora ressalte que os serviços terceirizados são necessários ao funcionamento da máquina pública, François Bremaeker destaca a correlação inversa entre esta modalidade de contratação e os gastos com pessoal. “Quanto mais alta é a conta da terceirização, menor tende a ser a despesa de pessoal dos municípios”, esclarece o geógrafo.

Considerando apenas os gastos com pessoal e encargos, 73,53% dos municípios brasileiros terminaram 2017 em boas condições financeiras – apenas 0,15% estavam em situação que poderia ser considerada crítica, de acordo com o levantamento realizado por Bremaeker. A conjuntura se altera com a inclusão no cálculo das despesas com inativos, mas não drasticamente. Nesse caso, 60,97% ainda apresentam boa saúde financeira.

O impacto das despesas com aposentados e pensionistas é menor nas cidades com menos população. São municípios que normalmente não contam com regimes previdenciários próprios e cujos servidores contribuem para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), operado pelo INSS.

Na metodologia adotada por Bremaeker, as cidades foram classificadas de acordo com a saúde financeira em quatro classes. Os municípios em boa situação são aqueles em que os gastos com pessoal, inativos e terceirização – somados ou separados – representam no máximo 60% da despesa total da prefeitura. Naqueles em condição razoável, esse percentual é superior a 60% mas menor que 75%. As duas outras categorias são as de saúde financeira “delicada” (mais de 75% e menos de 90%) e “crítica” (acima de 90%).

A crescente urbanização do país contribuiu para ampliar a demanda por serviços básicos, como educação e saúde, em nível municipal, o que resultou num achatamento dos investimentos, segundo atesta outro estudo do Observatório de Informações Municipais. Em 1972, as despesas relacionadas à urbanização (serviços, infraestrutura e transporte) correspondiam a 27,4% dos recursos gastos pelas prefeituras no país. Quarenta anos depois, em 2012, o percentual havia caído para 11%. No mesmo período, os gastos com saúde e saneamento – por exemplo – saltaram do patamar de 5,7% para o de 25,4%.

Stranz, da CNM, cita uma pesquisa recente da confederação, ainda não divulgada, para afirmar que cerca de 50% das prefeituras têm praticamente nenhuma capacidade de investimento. “Mal conseguem quitar a folha de pagamento. Não está sobrando nada”, diz o consultor.

Na análise de Vilma Pinto, do Ibre, a crise é menos grave na esfera municipal do que na estadual. “O ISS [Imposto sobre Serviços], principal fonte de receita tributária das prefeituras, tem um poder de arrecadação muito maior [do que o ICMS]”, explica.

Enquanto o setor de serviços ampliou sua participação no Produto Interno Bruto (PIB) nas últimas décadas, a fatia relativa da indústria e do comércio vem diminuindo. “Isso afeta a arrecadação de ICMS”, acrescenta a economista.

Outro fator que joga contra o equilíbrio financeiro dos Estados e praticamente não afeta os municípios é a guerra fiscal, ressalta ela.