Valor Econômico
02/06/2020

Por Renan Truffi e Vandson Lima

Parlamentares alegam que assunto requer mais discussão antes de ser levado a plenário

O governo tenta destravar a tramitação do marco legal do saneamento no Senado, mas ainda esbarra na resistência que alguns partidos têm em relação ao conteúdo do projeto e à discussão remota da medida.

Três bancadas têm se oposto à votação da matéria: MDB, PSD e PT. Oficialmente, as legendas dizem que a seriedade do tema exige análise prévia das comissões, como estava previsto originalmente, além de discussão presencial, o que seria improvável num momento de pandemia.

Nos bastidores, entretanto, parlamentares demonstram desconforto com os efeitos que o projeto pode ter sobre as companhias estaduais de água e esgoto.

O imbróglio se dá porque, antes da crise provocada pelo coronavírus, o marco legal do saneamento estava previsto para ser analisado em duas comissões, antes de ser levado ao plenário.

Como os trabalhos nesses colegiados acabou por ser interrompido, a matéria ficou estacionada desde então. Nesse cenário, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), teria que avocar a proposta diretamente para o plenário para que a votação pudesse acontecer. Para isso, entretanto, é necessário apoio das bancadas partidárias.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), é quem está à frente das articulações. Ele diz ter o apoio de três legendas, o que não seria suficiente para viabilizar a votação por enquanto.

Por conta disso, a negociação está concentrada nos líderes Otto Alencar (PSD-BA), Eduardo Braga (MDB-AM) e Rogério Carvalho (PT-SE), nomes mais críticos a uma apreciação remota do assunto. “Teremos uma posição na segunda-feira. Estamos trabalhando”, afirmou Bezerra Coelho ao Valor.

Na semana passada, Otto Alencar e Eduardo Braga já haviam conversado com o líder do governo sobre o tema. Na ocasião, pediram uma semana para analisarem o assunto. Apesar disso, o senador do PSD demonstrou não ter mudado de opinião.

“Não é matéria para ser pautada em sessão remota. Precisará passar pelas comissões temáticas em sessões presenciais, além de audiências públicas”, defendeu Alencar. O mesmo tom tem sido usado pela liderança do MDB. “Ainda não fechamos [questão] sobre esse tema. Eu prefiro que [a votação] seja presencial e fora da pandemia”, respondeu Braga.

Possível relator da matéria, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), critica o argumento dos colegas. Assim como Bezerra, ele também tem trabalhado para que o assunto vá ao plenário.

“Esse projeto já está fazendo um ano e meio de discussões. Nós fizemos uma discussão muito grande, foram dezenas de audiências públicas. Discussão não foi o que faltou. Como sempre o grande adversário sãos os interesses corporativos das companhias estaduais”, afirmou.

Um dos principais motivos para a oposição de algumas bancadas ao texto é o receio de que a aprovação do projeto, num momento de pandemia, possa resultar na venda das companhias estaduais de água e esgoto “a preço de banana”. “Alguns senadores acham que não é hora de aprovar o marco legal do saneamento porque as companhias estaduais não estão valendo nada em função da crise. Seriam engolidas [pelo capital privado] a preço de banana. Mesmo que a proposta fosse aprovada agora, não demoraria menos de um ano para que o processo de abertura do mercado ocorresse”, explicou um parlamentar sob anonimato.

Em relação a isso, a Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura, ligada ao Ministério da Economia, elaborou uma nota técnica na qual mostra que a privatização das companhias geraria uma captação conjunta de R$ 139 bilhões para os Estados.

Por outro lado, a decisão de vender apenas 49% das ações dessas mesmas companhias resultaria um montante de apenas R$ 30 bilhões, ou seja, uma diferença de R$ 109 bilhões.