Valor Econômico
13/08/2021

Por Taís Hirata

Se confirmada, decisão pode reverter aquisições como a da Linha 6 do Metrô de SP pela Acciona

O Supremo Tribunal Federal (STF) poderá considerar inconstitucional a transferência de concessões de uma empresa para a outra. Além disso, há um risco de anulação das aquisições de contratos já realizadas desde 1995.

Um exemplo recente que seria impactado é a venda da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, que foi transferida da Move São Paulo (formado por Odebrecht, Mitsui, UTC e Queiroz Galvão) para a Acciona. A discussão, porém, também abre risco para outros segmentos, como energia, saneamento básico e rodovias sofrerem impactos, segundo analistas.

A votação do STF pegou o setor de infraestrutura de surpresa. Trata-se de uma ação direta de inconstitucionalidade movida em 2003 pela Procuradoria-Geral da República. O processo estava praticamente parado e muitos nem sequer sabiam de sua existência.

Nos últimos dias, o relator do caso, o ministro Dias Toffoli, divulgou seu voto, que deixou o mercado em polvorosa. No relatório, ele não apenas considera inconstitucional a transferência da concessão de uma empresa para outra, como dá um prazo de dois anos para que as operações realizadas sejam desfeitas e que uma nova licitação seja realizada no lugar. A ação ainda está em julgamento – outro ministro já acompanhou o relator, mas Gilmar Mendes pediu vista, suspendendo a votação, na terça-feira.

Algumas empresas ainda estão analisando se podem ou não ser impactadas. No relatório, Toffoli diferenciou duas formas de transferência da concessão. Para ele, em caso de troca do controle acionário de uma concessionária, sem que haja mudança da prestadora do serviço, não há problema. Já nos casos em que a pessoa jurídica muda, ou seja, quando há troca do concessionário, o caso passa a ser inconstitucional.

Segundo advogados, a percepção inicial é que a maioria das operações se enquadra no primeiro caso, que não seria afetado. Porém, a ação direta de inconstitucionalidade questiona todas as modalidades de transferência. Portanto, há o temor de que, na votação, o entendimento se torne mais abrangente e passe a afetar todas as operações.

Os exemplos de transferência de concessões são inúmeros. Em saneamento, houve a passagem das concessões da antiga Odebrecht Ambiental para a BRK Ambiental, e da CAB Ambiental (do grupo Galvão), para a Iguá Saneamento. Em rodovias, houve a venda das concessões da Odebrecht para a Monte Equity Partners e a venda da Concessionária Auto Raposo Tavares (Cart), da Invepar, para o Pátria. Estes são só alguns exemplos, mas os casos se repetem em diversos segmentos: energia elétrica, telecomunicações, hospitais, entre outros.

O advogado Lauro Celidônio, coordenador do Comitê Legal da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) e sócio do Mattos Filho, avalia que o voto foi um erro e que não deverá se confirmar no plenário.

Caso o entendimento seja aplicado, ele diz que haverá uma enorme insegurança jurídica, especialmente pela determinação de dois anos para que as transferências sejam desfeitas. “Caso se confirme a restrição, ao menos deveria valer daqui para frente.”

Além disso, o cenário de reversão dos contratos firmados geraria uma onda de pedidos de indenização por aqueles que assumiram as concessões, avalia Caio Loureiro, sócio do Cascione Pulino Boulos Advogados.

Além disso, o cenário de reversão dos contratos firmados geraria uma onda de pedidos de indenização por aqueles que assumiram as concessões, avalia Caio Loureiro, sócio do Cascione Pulino Boulos Advogados.

“Trata-se de uma lei em vigor há mais de 25 anos. A verdade é que há uma consolidação, seja pela passagem do tempo, seja pela não manifestação do STF até agora”, afirma a professora da FGV Direito, Patrícia Sampaio. Ela também discorda do mérito da questão. “A transferência não burla o princípio da licitação. Se as condições do contrato são mantidas, se quem vai assumir tem condições técnicas e financeiras, não há problema”, afirma.

Procurado, o STF não respondeu até o fechamento.

A Acciona não quis se manifestar sobre o tema. A Secretaria de Transportes Metropolitanos de São Paulo afirmou, em nota, que “acredita e confia que a ADI será julgada improcedente, dada a existência de ampla doutrina moderna, além de jurisprudência de Tribunais de Contas, citados na análise jurídica da transferência do contrato da Linha 6.”

Entre as demais empresas citadas, o Pátria e a Monte Partners não quiseram comentar. A Iguá não comentou. A BRK diz que as concessões de seu portfólio foram adquiridas por transferência de controle societário e, portanto, não serão impactadas caso prevaleça o entendimento.