Valor Econômico
25/06/2021

Por Rafaela Vitória

Com cenário de incerteza elevada, melhor ir com cautela do que com precipitação

A recente alta da inflação surpreendeu vários economistas e analistas de mercado. Desde o começo da pandemia, os modelos de projeções de variáveis econômicas têm apresentado diversos erros, devido às fortes oscilações que não têm padrão histórico, advindas de uma crise inédita de causa sanitária e restrições à mobilidade, bem diferente de outras crises de causas econômicas. Como bem colocou Luiz Carlos Mendonça de Barros em recente artigo no Valor, nunca tantos economistas erraram tanto.

Errar projeções de inflação e consequentemente concluir que há necessidade de mudança mais drástica na política monetária pode ter efeitos negativos na economia. A pandemia resultou em diversos impactos nas variações de preços tanto domésticos como internacionais.

No primeiro momento, o impacto foi claramente deflacionário e o IPCA chegou a acumular alta de apenas 2% em 12 meses até junho de 2020. Nesse momento, a avaliação do cenário e as projeções do mercado para 2020 apontavam para uma inflação de apenas 1,5% no ano, que seis meses depois veio a encerrar em 4,5%. Esse fato ressalta um ponto importante para a análise do cenário atual, que é a relevância da inflação corrente para as projeções. De fato, a inércia inflacionária tem impacto na inflação futura, mas mesmo considerando choques externos, as expectativas possuem esse viés pesando nas projeções, que no atual cenário reverteu e se trata de viés de alta.

O retorno da economia, com a redução do número de casos de covid-19 e o avanço da vacinação, vem resultando em rápida recuperação da demanda que, aliada à maior liquidez nos mercados e várias restrições nas cadeias produtivas, gerou elevações bruscas de preços, principalmente de matérias-primas, como metais, petróleo e agrícolas entre outros insumos industriais. Essa escassez de produtos em conjunto com a demanda reprimida vem resultando em reajustes atípicos como, por exemplo, em 12 meses, o minério de ferro subiu 120%, o petróleo, 100%, e a soja, 70%.

Qual o papel da política monetária no controle de preços e como estimar a necessidade de elevação da Selic para conter a inflação atual? O IPCA acumula alta de 8% e projetamos 5,8% para o fim de 2021, acima do teto da meta de 5,25% e bem acima da nossa projeção no começo do ano, que era de 3,4%. Com inflação em alta, a resposta correta do BC vem sendo retirar os estímulos monetários de maneira célere, elevando a Selic do patamar que era extraordinariamente estimulativo em 2% para os atuais 4,25%. Mas ainda há muita incerteza sobre qual o patamar de juros será necessário para manter a inflação futura na meta. Parte da resposta vem dos fatores que resultam nessa inflação. O estímulo monetário em 2020 contribuiu para a retomada da demanda, provendo liquidez no mercado, mas não responde pela maior parte da inflação, que é concentrada em bens industriais e monitorados, influenciada pela alta internacional das commodities e pela crise hídrica, que impacta as tarifas elétricas.

De fato, a taxa de juros maior, saindo de território negativo, tem um impacto positivo no câmbio, como já observado no movimento recente, e contribui para contrabalancear a alta dos preços com cotações internacionais. E talvez o mais relevante, a elevação da Selic contribui para ancorar as expectativas de inflação que, apesar de falhas, ainda podem ter resultado na inflação corrente.

Considerando que a inflação atual tem sido um fenômeno global, resultado de choques de oferta, ela tende a ser transitória, assim como a deflação foi nos primeiros meses da pandemia. Futuras elevações da Selic nesse cenário devem seguir com cautela, devido ao elevado grau de incerteza e projeções que ainda estão contaminadas pela inflação de curto prazo mais alta. Reduzir a liquidez e desaquecer o consumo excessivamente terá pouco efeito no controle da inflação, com prejuízo para o crescimento e retomada do mercado de trabalho.

Além da inflação corrente mais alta, outro fator que impacta as expectativas mais elevadas em comparação a outros países é nosso histórico. De fato, a redução de juros em 2012 teve efeitos desastrosos para a inflação, que se acelerou em 2013, chegando a mais de 10% em 2015. No entanto, existem relevantes diferenças para o cenário atual, sendo a principal delas a política fiscal, incluindo subsídios de crédito, que teve forte expansão entre 2009 e 2015, alimentando a inflação de demanda. Em segundo lugar, a aceleração da inflação até 2015 foi liderada pelo setor de serviços, que experimentou persistentes reajustes no patamar de 8% ao ano por muitos anos, contra menos de 2% no atual cenário.

A mudança na política fiscal entre 2016 e 2019 teve grande contribuição para a redução da inflação no Brasil, interrompida pela expansão extraordinária em 2020, no combate à pandemia. Apesar da consolidação fiscal ainda requerer esforços via reformas, o cenário em 2021 voltou a ser de controle de gastos. A Selic em 6,5% entre 2018 e 2019 ficou acima do nível neutro, mantendo a inflação abaixo da meta e restringindo o crescimento no período. E mesmo antes da pandemia, a Selic já havia sido reduzida para 4,5%, na tentativa de reverter o quadro de crescimento anêmico.

Passada a recuperação cíclica de 2021, voltaremos a ter baixo potencial de crescimento do PIB, e nossa taxa de juro neutro também tende a ser menor. Além do cenário global de juros menores, com as recentes reformas, como o fim do crédito subsidiado, a autonomia do Banco Central e o mercado de crédito e de capitais mais dinâmico, a política monetária pode ganhar potência. Os investidores no Brasil precisam se acostumar a conviver com taxas de juros civilizadas e aprenderemos a colher os frutos via crescimento do investimento privado

A nova elevação da Selic pode ser menor do que espera o mercado e podemos ver, em breve, a redução da inflação com a dissipação dos choques, o câmbio valorizando, o fiscal relativamente controlado e condições financeiras globais ainda favoráveis. Mais uma vez, podemos estar errando nas projeções, mas nesse caso, teremos um resultado melhor que o esperado. Com cenário de incerteza elevada, melhor ir com cautela do que com precipitação.

Rafaela Vitória é economista-chefe do Banco Inter E-mail: rafaela.vitoria@bancointer.com.br Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.