Valor Econômico
06/03/2020

Por Lucas Hirata, Marcelo Osakabe, Victor Rezende e Lucinda Pinto

Foram três leilões só na sessão de ontem, totalizando a venda de 60 mil contratos de swap cambial, que equivalem à injeção de US$ 3 bilhões no mercado futuro

O sinal deixado pelo Banco Central de que deve estender o ciclo de corte de juros agravou o movimento de alta do dólar, que tem atingido recorde atrás de recorde no Brasil. A desorganização no mercado de câmbio foi tamanha que os juros de longo prazo dispararam ontem na B3 em uma reação típica de momentos em que os investidores veem riscos na condução da política monetária.

“Diferentemente do que ocorreu nos últimos dias, quando a desvalorização do real tinha impactado pouco outros ativos, hoje [quinta-feira], pela primeira vez, vemos esse movimento afetar a parte longa da curva de juros. Ou seja, a preocupação com o dólar alto começa a contaminar outros mercados”, diz o diretor de Tesouraria do Santander, Luiz Masagão.

Diante de um movimento tão intenso, a própria autoridade monetária teve de reforçar suas intervenções, via swap cambial, para tentar acalmar os ânimos dos agentes. Foram três leilões só na sessão de ontem, totalizando a venda de 60 mil contratos de swap cambial, que equivalem à injeção de US$ 3 bilhões no mercado futuro.

 A sequência de atuações atenuou a escalada do dólar contra o real e a divisa fechou em alta de 1,57%, aos R$ 4,6509, depois de tocar o patamar de R$ 4,6664. Com isso, a depreciação do real ontem foi mais contida que a de outros emergentes, mas a moeda brasileira ainda é a que mais perde na semana (-3,66%), no ano (-13,78%) e desde o aumento das preocupações em torno do novo coronavírus (-10,23%).

As intervenções devem continuar hoje. A autoridade monetária anunciou ontem, após o fechamento do mercado, que fará nova oferta de swap cambial. Desta vez, o BC vai dobrar o montante da intervenção, oferecendo o equivalente a US$ 2 bilhões de uma só vez.

Além das intervenções mais duras, há quem defenda até que o BC desista de cortar novamente a Selic. Esse é o caso de Sergio Goldenstein, que já chefiou o Departamento de Operações de Mercado Aberto (Demab) da autoridade monetária. “O BC se precipitou na nota sobre juros e parece que subestimou o movimento do câmbio e seus eventuais efeitos sobre as condições financeiras e a inflação”, afirma o profissional. “Ao sinalizar que pode levar o juro real a um patamar próximo de zero, o BC acirrou a desvalorização cambial e a inclinação da curva de juros, tornando as condições financeiras mais restritivas”, diz. Segundo o Valor Data, o juro real está atualmente em 0,38%.

Divulgada na terça-feira à noite para comentar sobre os efeitos do coronavírus na economia, a mensagem do BC dava mais ênfase aos riscos em torno da atividade econômica do que à depreciação dos ativos financeiros. Os investidores interpretaram que há espaço para corte de juros a despeito da escalada do dólar – reforçando o cenário defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de juro baixo e dólar alto.

“Estamos abrindo a caixa de Pandora. Quando a tolerância a um real mais fraco começa a se tornar insistência de que juros baixos e moeda fraca é algo desejado para o Brasil, a atração de fluxo especulativo é muito maior”, afirma Drausio Giacomelli, estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank. Ele avalia que o real se tornou uma moeda especulativa e, quando se tem a validação do governo de que essa dinâmica veio para ficar, “a tendência está formada e ela se reforça porque a grande maioria dos fluxos segue isso. Torna-se um ciclo vicioso”.

Para ele, “é preocupante” ver a desaceleração atual do câmbio. “Se você é um país emergente, faz sentido ter juro real próximo de zero ou negativo? Países como os EUA, com juros reais baixos, mesmo negativos, atraem fluxo porque a moeda tem lastro. Países como o Brasil acabam por afugentar capital. Isso precisa ser levado em consideração. O Brasil precisa de capital externo e o que estamos vendo é uma fuga desse capital.”

Já o economista-chefe da Garde Asset, Daniel Weeks, defende tanto o corte de juros como intervenção no câmbio. “A economia brasileira precisa de juros mais baixos, uma vez que a inflação está apontando para abaixo da meta, mesmo com o câmbio mais depreciado. Além disso e independentemente disso, o mercado de câmbio está precisando de melhor funcionalidade”, explica o profissional. Para ele, meta de inflação e funcionamento do mercado de câmbio são dois objetivos diferentes que exigem dois instrumentos independentes. “Não é uma intervenção para cortar juros. Não é isso. São instrumentos diferentes para objetivos diferentes”, ressalta