Estadão
20/06/2020

Por Amanda Pupo

Relator do projeto na Casa, Tasso Jereissati quer acordo para evitar mudanças em texto aprovado pela Câmara e apressar sanção

BRASÍLIA – O novo marco legal para o setor de saneamento básico, que tem potencial de impulsionar novos investimentos e auxiliar na retomada econômica do País, avançou no Senado. O relator do projeto de lei na Casa, Tasso Jereissati (PSDB-CE), apresentou ontem seu parecer, sem propor alterações em relação ao texto aprovado pela Câmara no ano passado.

A estratégia do senador é evitar que o texto volte para a análise dos deputados, o que atrasaria ainda mais a sanção do novo marco legal. Por isso, o relatório não sugere mudanças. A expectativa é que o projeto possa ser votado na próxima quarta-feira pelo plenário. Se não houver alterações no texto, o marco poderá seguir direto para a Presidência da República.

A aprovação de um novo marco legal para o saneamento é aguardada há anos pelo setor. No Congresso, as discussões se iniciaram ainda em 2018, com a edição de medidas provisórias pelo governo Temer. Os textos perderam a validade, mas o assunto continuou tramitando no Legislativo.

Com forte déficit de infraestrutura, o setor estima a necessidade de cerca R$ 500 bilhões em novos investimentos para a universalização dos serviços. Com recursos públicos escassos, o novo marco busca facilitar a entrada da iniciativa privada no setor, seja por meio da venda de estatais ou em novos contratos.

O texto obriga que os municípios – titulares do serviço – abram licitação para poderem contratar a empresa prestadora. Como essa obrigação hoje não existe, a maioria das cidades acaba fechando parcerias com as empresas estatais.

Metas de universalização até 2033 e a centralização de diretrizes regulatórias por meio da Agência Nacional de Águas (ANA) são outros pilares previstos no projeto. “Aproximadamente 35 milhões de brasileiros não têm acesso a água tratada. Metade da população brasileira, em torno de 104 milhões de pessoas, não tem serviços de coleta de esgoto. Essa precariedade prejudica os índices de desenvolvimento humano e resulta em imensos prejuízos sociais e econômicos”, disse ele.

O senador lembra que os contratos de saneamento são de longo prazo, de até 30 anos, aumentando a atratividade dos projetos num momento em que investidores têm receio de entrar em “desafios temporários”. O fato de a demanda por serviços de água e esgoto serem essenciais também é levantado pelo senador. “E há disponibilidade de dinheiro extraordinariamente barato e à procura de oportunidades no mercado internacional.”

Privatizações

No parecer, o senador também já deu um recado a intenções de senadores em mudar o texto para proibir que privatizações de estatais aconteçam neste ano em razão da pandemia. Ontem mesmo, o líder MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), apresentou emenda para evitar alienações em 2020. O argumento é que a eventual venda de ativos neste momento seria realizada nas piores condições de mercado e prejudicaria o valor das companhias.

Em seu relatório, Jereissati argumenta que não tem como apressar essa abertura, uma vez que, em média, o processo de preparação de oferta pública de ações em Bolsa de Valores ou licitação de outorgas dificilmente leva menos de dois anos. Por isso, afirmou o senador, não há riscos de “processos precipitados de desestatização em prejuízo dos melhores interesses coletivos”. O governo deve trabalhar para derrubar essa sugestão de Braga, para que o texto não volte à Câmara.

Já há uma estratégia sendo articulada para que eventuais trechos que desagradem os senadores possam ser alterados sem risco de o texto ser votado novamente pelos deputados. O acordo em negociação é de que o Senado não modifique o texto e, em contrapartida, o Executivo vete dispositivos que eventualmente incomodem senadores.

Ao apresentar seu parecer, Jereissati já indicou duas discordâncias de mérito. Eventualmente, elas podem passam por esse processo. Ele criticou, por exemplo, regra definida para a alienação do controle de empresa estatal de saneamento. Pelo texto aprovado na Câmara, a conversão do contrato de programa em concessão não precisa de consentimento do titular dos serviços quando não há mudança nas cláusulas do contrato. Para o senador, essa dispensa não contribui para a evolução do marco regulatório.

As propostas:

Contratos:

Pela regra atual, quando o contrato de uma área vence ele é automaticamente renovado, sem nova licitação. E é esse um dos principais pontos a serem alterados pelo marco regulatório para atrair novos investimentos privados. Todos os contratos vencidos terão de passar por um processo de concorrência. Haverá prazo de transição até março de 2022.

Agência reguladora:

Hoje o setor é regulado por 52 agências. Com o marco regulatório, elas seguirão diretrizes traçadas pela Agência Nacional de Águas. Isso inclui definir padrões de qualidade e eficiência na prestação de serviços; regulação das tarifas cobradas do consumidor; e parâmetros para determinação de caducidade da concessão.

Licitação em blocos:

As licitações deverão ocorrer em blocos de municípios. Com isso, não haveria o problema de algumas áreas menos atraentes ficarem de fora dos investimentos. Por outro lado, há quem critique o fato de não haver obrigatoriedade dos municípios para a adesão.

Universalização:

Empresas terão de comprovar capacidade financeira para conseguir universalizar os serviços de água e esgoto até 2033. Até esse prazo, elas terão de garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90%. Quem não tem metas terá de incluí-las, por aditivo, até março de 2022, e se não o fizerem, correm risco de ter o contrato encerrado.