Novo marco poderia destravar investimentos privados, dizem executivos

Ivan Martínez-Vargas e Thiago Resende – Folha de São Paulo

4.jun.2019 às 2h00

Sem um marco regulatório para o saneamento, gigantes do setor veem limites para a realização de investimentos adicionais nos próximos anos. Novos aportes estão condicionados ao aumento da competição.

A MP (medida provisória) sobre o tema, defendida pela iniciativa privada, não avançou no Congresso e caducou nesta segunda-feira (3).

Agora, o segmento defende a aprovação de um projeto de lei que preserve o texto do relator da MP, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Hoje, cerca de 6% dos municípios são atendidos por empresas privadas.

Os aportes necessários para a universalização dos serviços são de R$ 497 bilhões, segundo estudo da consultoria KPMG encomendado pela Abcon (associação das empresas privadas de saneamento).

O investimento privado, que hoje gira em torno dos R$ 2 bilhões ao ano, poderia chegar a R$ 12 bilhões, diz a entidade.

“Esperamos que o texto não seja desfigurado. É preciso manter a viabilidade de projetos privados”, diz Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, que atende 180 municípios.

A companhia investe, em média, R$ 1 bilhão ao ano. A aprovação de um texto nos moldes do apresentado por Jereissati dobraria esse aporte.

O senador tucano apresentou como projeto de lei o mesmo texto da MP do saneamento, que acaba com os contratos de programa (sem licitação) com as estatais e prevê a concorrência com empresas privadas para prestação do serviço.

A Aegea, que está em 49 cidades, diz que a lei poderia acelerar o crescimento da empresa e de seus investimentos.

“Já cumprimos algo fixo em torno de R$ 600 milhões, previstos nos nossos contratos, e crescemos a 20% ao ano. Com o novo marco, e uma demanda de mercado, podemos triplicar a taxa”, afirma o presidente da empresa, Hamilton Amadeo.

“Se não for aprovado o texto, não haverá esse montante adicional”, diz o executivo.

A Iguá, que tem hoje 18 operações, prevê mobilizar ao menos R$ 1,5 bilhão nos próximos cinco anos, cerca de R$ 400 milhões em 2019.

“Esse valor será bem maior se houver uma lei [que permita a competição]. Preparamos a empresa para fazer investimentos. Temos reduzido o endividamento e queremos explorar ativos como eventuais privatizações”, diz Gustavo Guimarães, presidente da companhia.

“Sem nova lei, as oportunidades de atuação são pouquíssimas, os aportes serão concentrados em ganho de eficiência. Se o PL sair do papel, dobraremos o investimento”, afirma Carlos Eduardo Castro, diretor comercial da Águas do Brasil, que opera em 13 cidades.

Para tentar aprovar um novo marco regulatório, o governo quer apoiar um projeto de lei do Senado que abre o setor para a iniciativa privada, mas dando uma sobrevida às companhias estaduais de água e esgoto.

Apesar de apoiar a proposta de Jereissati, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), negocia uma emenda para que as estatais possam continuar operando por até mais 48 meses, quando haveria a substituição dos contratos.

O prazo é um pedido de governadores que se posicionam contra o texto da MP 868 que caducou. A resistência deles travou a tramitação da proposta.

Na Câmara, outro projeto de lei sobre o tema foi apresentado na semana passada pelo deputado Fernando Monteiro (PP-PE), aliado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O texto desagrada ao governo por permitir que novos contratos com estatais sejam firmados e que os atuais sejam renovados.

Tasso é contra essa versão. “Não resolve o problema. E não mudar nada é continuar com a maior vergonha que existe nesse país.”

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que, em 2018, 66% dos domicílios do país tinham acesso a rede geral ou fossa ligada à rede para escoamento de esgoto.

No Sudeste, a taxa é de 88,6% —acima do Norte (21,8%) e Nordeste (44,6%).