Valor Econômico
20/11/2019

Por  Daniel Rittner

Rodovias, aeroportos e saneamento lideram nova onda de projetos sob controle privado

Autoridades de Mato Grosso do Sul vão à B3, no dia 5 de dezembro, com a expectativa de testemunhar um marco na área de infraestrutura: o leilão de 219 quilômetros da MS-306, primeira rodovia estadual a ser transferida para o setor privado, que ganhará pista dupla em alguns trechos e faixas adicionais em outros pontos. A futura concessionária vai investir em torno de R$ 1 bilhão.

Em tempos de penúria fiscal, não se trata de exceção. Projetos em estudo desde o mandato anterior amadureceram e governadores veem na iniciativa privada a única possibilidade de angariar recursos a obras importantes para o eleitorado. Resultado: uma onda de concessões nos Estados.

Muitas, como em Alagoas, focam em saneamento básico. Independentemente do novo modelo legal do setor, que está em discussão no Congresso Nacional, o Estado pretende lançar até janeiro o edital de concessão dos serviços de água e esgoto em Maceió e outros 12 municípios da região metropolitana. Serão R$ 2,5 bilhões para universalizar o abastecimento de água em seis anos e o tratamento de dejetos em um período de, no máximo, 16 anos.

Na capital, menos de metade do esgoto é coletado. A situação fica ainda pior nas demais cidades. “Com o ritmo atual de investimentos e o crescimento projetado da população, demoraríamos 450 anos para universalizar os serviços”, calcula o secretário estadual de Planejamento, Fabrício Marques Santos. “Por muitos anos houve a ilusão de que repasses do Orçamento-Geral da União eram a solução para todos os problemas. Não foram. E as companhias públicas de água e esgoto, por sua vez, também não têm capacidade financeira suficiente para fazer tudo em saneamento com recursos próprios”, observa.

O projeto de saneamento em Alagoas foi estruturado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), cuja nova gestão colocou à disposição dos Estados toda a sua expertise na montagem de concessões. Esse auxílio com a estruturação de parcerias tornou-se prioridade.

O ajuste na estratégia surtiu efeito rapidamente. Em julho, quando foi empossada a atual diretoria, a carteira de concessões e parcerias público-privadas (PPPs) apoiadas pelo banco era inferior a R$ 80 bilhões. Hoje, alcança R$ 200 bilhões em investimentos estimados, segundo o diretor de infraestrutura do BNDES, Fábio Abrahão.

“São projetos que vão a mercado ao longo dos próximos dois anos e meio a três anos”, afirma Abrahão. Essa carteira também inclui a estruturação de concessões e PPPs para o governo federal, mas o grosso são empreendimentos dos Estados. Outras 98 oportunidades já estão sendo mapeadas. Uma superintendência do banco foi criada em Brasília com a missão específica de dialogar com o Congresso Nacional e com os entes federativos.

“O banco tem capacidade de ajudar Estados e municípios a estruturar seus projetos. Temos muito conhecimento acumulado, material humano, acesso a tecnologia”, diz Abrahão. Ele rejeita especulações de que o banco tem assumido mais responsabilidades do que deveria. “A nossa mensagem é clara: podem trazer mais projetos que temos plena capacidade de processamento.

” Um dos Estados que os investidores olham com mais atenção é o Rio Grande do Sul. O secretário extraordinário de Parcerias, Bruno Vanuzzi, vê um ponto negativo e outro positivo nas concessões em seu Estado. “O negativo: acabamos ficando um pouco para trás nas últimas administrações. O positivo: os principais ativos ainda estão nas mãos do governo e temos uma carteira bem atrativa.

” Só em rodovias, segundo ele, a expectativa é atrair R$ 10 bilhões em investimentos. Um primeiro lote de estradas – a RS-287 e a RS-324 – foi herdado da gestão anterior. Além disso, o governo de Eduardo Leite (PSDB) pretende repassar à iniciativa privada mais 900 quilômetros e extinguir a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), que foi criada pelo ex-governador Tarso Genro (PT) para administrar trechos reestatizados há seis anos.

A carteira de concessões do Estado é ampla e diversificada: três aeroportos regionais (Caxias do Sul, Passo Fundo e Santo Ângelo), quatro unidades de conservação, a estação rodoviária de Porto Alegre, o parque zoológico. Também começou a ser estruturada a PPP de uma unidade prisional com vagas para 1.250 detentos. Há interesse em analisar a viabilidade de uma hidrovia formada pela Lagoa dos Patos e pelo rio Jacuí.

De olho nos recursos privados, governos como o de Mato Grosso Sul trataram de criar estruturas específicas para gerir as concessões e PPPs, servindo como ponto de articulaçãodos diversos órgãos estaduais envolvidos e como espécie de guichê para receber potenciais investidores. No caso do Estado, o Escritório de Parcerias Estratégicas (EPE) funciona dentro da Secretaria de Governo e tem funções similares ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), no âmbito federal.

“O escritório é absolutamente transversal, tem uma equipe focada e foi estruturado no primeiro mandato do governador [Reinaldo] Azambuja”, diz o secretário Eduardo Riedel. “Entre os aspectos fundamentais para o sucesso de concessões e PPPs estão a segurança jurídica e a governança dos projetos. Agora temos isso.”

Além da MS-306, as atenções do Estado estão voltadas à PPP para universalizar, em dez anos, os serviços de coleta e tratamento de esgoto em 68 municípios atendidos pela estatal de saneamento Sanesul – Campo Grande já tem serviços privados e outras dez prefeituras são autônomas. O edital está para sair e o leilão ocorre em 2020.

Pernambuco também criou um programa de parcerias estratégicas, coordenado pelo secretário Marcelo Bruto, ex-diretor da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Para ele, a escassez orçamentária “impulsiona”, mas não é o “fator principal” para apostar em mais concessões.

Um exemplo local é o de três aeroportos regionais – Fernando de Noronha, Caruaru e Serra Talhada – cujos estudos para licitação ficam prontos em março. “O Estado não tem uma Infraero para administrar terminais. E, com um privado operando, podemos induzir mais voos regulares e ter uma exploração comercial mais arrojada.” O Estado está engajado nos preparativos do leilão de três rodovias – PE-045, PE-060, PE-090 – que somam 270 quilômetros de extensão. Outros projetos em análise são 26 terminais urbanos, o centro de convenções de Recife/Olinda e uma nova concessão da Arena Pernambuco, que estava com a Odebrecht e teve contrato rescindido.