Valor Econômico
28/07/2020

Por Flávia Furlan

Mercado precisará de capacidade adicional de R$ 70 bi em seguros, indica estudo

O setor de seguros espera forte aumento de demanda das empresas de saneamento devido à aprovação do marco legal, que prevê investimentos de R$ 700 bilhões até 2033 para estender o acesso à água potável e esgoto tratado para a população. No entanto, as seguradoras preveem um desafio em atrair resseguradoras internacionais para repassar os riscos dos projetos.

Estudo da BMG Seguros, feito pela consultoria GO Associados, mostra que o novo marco deve adicionar R$ 2,6 bilhões em prêmios emitidos, de 2021 até 2033, para o setor de saneamento apenas em seguro garantia performance, que garante indenização caso um projeto não seja entregue. Nos cálculos da seguradora, no ano passado, os prêmios emitidos somaram R$ 150 milhões na modalidade a todas as empresas de infraestrutura.

O estudo indica ainda que, como a expectativa é de que os investimentos anuais em saneamento subam de R$ 10 bilhões para R$ 55 bilhões até 2033, a importância a ser segurada – isto é, os recursos necessários para fazer frente às indenizações em caso de sinistro – saltaria para R$ 70 bilhões em 2033 só no seguro garantia performance. Dessa capacidade, geralmente cerca de 5% ficam com a seguradora e o restante é repassado para as resseguradoras.

“Podemos ter possível falta de capacidade internacional a partir de 2022 para suportar os projetos”, diz Jorge Sant’Anna, presidente da BMG Seguros. Alguns aspectos acentuam esse desafio: resseguradores ainda têm na memória os anos de Lava-Jato e abandono de obras e, além disso, haverá muitos participantes novos entrando no mercado de saneamento.

João Géo Neto, presidente da Pottencial Seguradora, especializada em seguro garantia, diz que hoje existe capacidade no mercado para os projetos – no caso da empresa, até sobra -, mas que algumas seguradoras novatas podem vir a enfrentar desafios em repassar os riscos aos resseguradores. “É uma novidade para todo mundo, por isso é preciso estruturar bem a subscrição de riscos.”

Historicamente, o setor de saneamento costuma ser tímido na contratação de seguros, uma vez que é dominado por empresas estaduais que dependem de licitações para adquirir apólices. Como o processo é burocrático e demorado, os programas acabam contendo o básico das apólices.

O novo marco, por sua vez, abre caminho para o investimento privado. Os municípios serão incentivados a seguir as regras da agência reguladora se quiserem ter acesso a recursos públicos, o que traz segurança jurídica maior para fundos e multinacionais.

“Haverá ampliação de clientes privados para as seguradoras em saneamento”, diz André Dabus, diretor para a área de infraestrutura da corretora Marsh.

Segundo o executivo, existem cerca de dez seguradoras com apetite para saneamento no país. Para comparar, são 30 as que atuam com seguro garantia especificamente, mas acabam preferindo outros setores, como energia e rodovias, porque as regras para os leilões, para tocar uma concessão ou para realizar uma obra são mais claras, com a devida divisão dos riscos com o setor público.

Espera-se aumento de contratação principalmente do seguro garantia. Em um primeiro momento nos leilões, com apólices que garantem que o vencedor irá realmente assinar o contrato – caso contrário, haverá indenização para o ente público e seleção do segundo colocado. A estimativa é que os certames comecem a ocorrer já a partir dos próximos meses, de acordo com os membros do governo, mas o novo marco ainda depende da edição de decretos.

Depois disso, começa a procura por seguros para o financiamento de projetos de infraestrutura, como por exemplo o “completion bond”, que garante para o financiador que haverá entrega física da obra e, diferentemente das fianças bancárias, não compromete o limite de crédito dos investidores, item importante na retomada da crise.

Para as obras, estão previstos seguros para risco de engenharia, de equipamentos, automóveis e das pessoas envolvidas. “Existe apetite das seguradoras pelo setor de saneamento. Hoje, a falta do seguro é por falta de projeto em si”, diz Luciana Dias Prado, advogada especialista em seguros do escritório Demarest.

No caso do seguro garantia performance, o setor defende mudanças em regras que hoje afastam resseguradores. Geralmente, a empresa assina com a seguradora um contrato de contragarantia. Assim, se entrar em sinistro, a seguradora indeniza o poder público, mas pode cobrar a empresa. Essa cobrança, porém, precisa ser feita com autorização de juiz, o que pode demorar cinco anos, ao contrário de outros títulos de garantia.

Especialistas dizem ainda que as regras do marco legal para o seguro garantia performance são tímidas, já que seguem a nova lei de licitações (Lei 8.666/93). Pela legislação, os investidores devem contratar o limite de 5% do valor do contrato em seguro garantia, elevando a 10% em obras mais complexas.

No entanto, um projeto de lei (1.292/95) no Congresso, que muda as regras de licitações, prevê que o seguro pode alcançar até 30% do valor do contrato, para empreendimentos acima de R$ 200 milhões, com as seguradoras assumindo a obra em caso de problemas. Dessa forma, segue-se o padrão internacional, mas traz ainda mais desafios de capacidade de resseguro ao mercado.

“O marco surge com um contexto desatualizado para o seguro garantia performance, mas pode ter o efeito benigno de pressionar para que o projeto de lei avance no Congresso”, diz Felipe Bastos, coordenador da área de seguros no escritório Veirano Advogados.

Além das modalidades mais tradicionais, espera-se que o setor de saneamento também avance em outras como ambiental, um tema que tem chamado cada vez mais atenção internacionalmente, e “cyber risk”, que protege a empresa em caso de vazamento de dados e informações sobre os usuários.