Valor Econômico
01/03/2020

Por Alexa Salomão e Fábio Pupo

Gustavo Montezano diz que sua tarefa é informar autoridades sobre operações investigadas e recuperar credibilidade do banco, sem julgá-lo

Ao assumir a presidência do BNDES, em julho de 2019, Gustavo Montezano tinha de atender a uma expectativa do próprio presidente Jair Bolsonaro: abrir a caixa-preta do banco —detalhar eventuais esquemas escusos ainda não explicados.

Em janeiro deste ano, porém, atestou que nada de ilegal havia sido encontrado e agora tenta virar essa página na história da instituição. “Minha função é trabalhar pela credibilidade do BNDES”, diz.

Em outra frente, o banco trabalha para vender, pelo melhor preço possível no meio da instabilidade do mercado, uma carteira com mais de R$ 100 bilhões em ações. As próximas são as da JBS.

Uma de suas missões ao assumir o BNDES era abrir a caixa-preta do banco. Como foi essa auditoria que não encontrou nada, quando TCU [Tribunal de Contas de União], Ministério Público e uma CPI no Congresso indicam que o banco teve prejuízos? Primeiro é importante entender a nossa função. Nós somos executivos do banco. Não somos políticos, muito menos juízes.

A auditoria é um dos pontos, de um dos casos da JBS, e um ponto complexo. Sendo super-sincero: quando entrei no banco, me debrucei sobre esses temas polêmicos, porque entendo ser obrigação minha, e, mesmo para um especialista como eu, demorei para entender.

Como assim?

Cada caso é um caso. Quando você pega o emaranhado de operações, com renegociações, taxas de juros diferentes, leis diferentes, contextos diferentes, não é trivial entender. E olha: mobilizei muita gente no banco para destrinchar para mim e para gente de fora. Não é fácil.

A grande conclusão é que temos o desafio da explicação.

Mas conseguiram ou não chegar à conclusão de que houve prejuízo financeiro?

Avaliar puramente pela ótica financeira não é a forma mais adequada. Se a operação deu lucro ou prejuízo não quer dizer que foi legal ou ilegal. Prejuízo eventualmente faz parte do negócio de banco —você dá crédito, perde dinheiro. Compra uma ação, ela cai. Pode acontecer. A lucratividade é uma visão parcial que pode levar a uma conclusão errada.

Em relação à ótica da legalidade —e não sou eu que estou dizendo, mas os órgãos de controle— , até hoje não foi encontrada nenhuma ilegalidade. E nossa função não é dizer se teve ilegalidade, é deixar o banco disponível, é prover informações, de forma eficiente e didática, para quem quer investigar e julgar.

A sua resposta, da forma como foi dita, faz parecer que em algumas operações houve prejuízo ao banco.

Vou te dar o exemplo da ação da Petrobras. Ela rendeu 2% ao ano, ante um CDI de 7%. Se tivesse colocado no CDI, teria ganho mais dinheiro do que carregando ação. Isso é um prejuízo econômico pela ótica do custo de oportunidade —e não teve nada de ilegal.

A operação da Odebrecht. A gente está na reestruturação da recuperação judicial. É um caso notório de eventual perda econômica. Até hoje não foi provada nenhuma ilegalidade. Pegou o meu ponto?

O sr. diria, então, que a sua função como presidente do BNDES é defender o banco?

Se apenas defender como um pai protecionista ou acusar como inquisidor estou errado. Minha função é trabalhar pela credibilidade. Tenho de dar transparência, constituindo uma cultura e um histórico que leva a credibilidade do BNDES a outro patamar —e isso já está acontecendo.

Como o presidente Jair Bolsonaro recebeu a auditoria do escritório Cleary Gottlieb, avaliando que nada havia de irregular na relação com a JBS?

Assuntos de relevância, como esse, são sempre comunicados ao Ministério da Economia e à Presidência. A solicitação de ambos é sempre no sentido de esclarecer os fatos e dar transparência à população, independentemente do resultado em si. Em relação à investigação privada, demos todos os esclarecimentos. Nosso entendimento é o de que o tema foi esclarecido e bem recebido.

Mas isso é vivo. O tema ainda está sendo analisado. Se surgir algo novo, voltaremos a esclarecer novamente.

A outra missão é vender a carteira de ações. A operação mais recente foi a da Petrobras. O que mais vem neste ano?

Vamos por parte. Não posso revelar muito sobre a estratégia de venda da carteira. Para recapitular. Em dezembro, vendemos Marfrig, em janeiro, Light, em fevereiro, Petrobras.

A carteira é muito concentrada. Ainda temos R$ 30 bilhões para vender de Petrobras. Temos JBS, Vale, Suzano, Copel —as cinco maiores. Tem Eletrobras, e a princípio vamos esperar uma definição sobre privatização para tomar uma decisão.

Todo o resto virá à medida que o mercado for absorvendo. A gente já tem mandatado um sindicato para vender parcela das ações de JBS. O montante vai variar, e vamos discutir isso na hora da oferta.

Ao sair dessa carteira, eu tiro o risco de perpetuidade do banco. Porque essa carteira, de R$ 120 bilhões no ano passado, pode variar de 30% a 40% numa crise. Estou falando de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões de variação. Por causa do efeito do coronavírus nas Bolsas, numa segunda-feira, perdeu R$ 5,8 bilhões em um dia. Isso é quase um ano de lucro recorrente do BNDES.

É um negócio que coloca em risco o futuro do banco.

A venda das ações da JBS tem data?

Não tem data, mas tem um evento relevante, que eu posso comentar porque é de domínio público, que é a relistagem nos Estados Unidos. A gente está acompanhando e esperando para que, se tiver uma janela boa, a gente possa surfar. Não será necessariamente uma operação casada, mas coordenada com esse movimento da empresa.

Parte do processo de abertura de capital da JBS nos EUA pressupõe a transferência da sede…

 Sim, a ideia é separar a empresa em duas. Temos de acompanhar. O banco tem 20% da companhia.

Em que fase está esse processo?

Está na mão da companhia e de seus controladores executarem. Não temos poder de parar ou empurrar isso. O acordo de acionista terminou no fim do ano. O nosso nível de informação e influência na empresa mudou. Não temos mais direito de veto por acordo. Hoje, somos um minoritário relevante. Temos os direitos que a lei nos concede, não mais por acordo de acionista.

Como tem sido o processo de reestruturação no banco?

Importa para um banco como o BNDES qual desenvolvimento a gente quer dar para o Brasil. E desenvolvimento vem de duas coisas: financiamento, sim, mas também de algo que é um grande gargalo hoje no Brasil: bons projetos, boa estruturação financeira, bom planejamento. E isso o banco tem capacidade de sobra para fazer.

Estamos posicionando o BNDES como o banco que atende o Estado brasileiro — federal, estadual, municipal. Já atendemos todos os ministérios que têm demanda para concessão, PPP, levantar recurso privado. Temos capacidade de atender os 26 estados. Estamos nos mobilizando para, depois das eleições, atender os municípios de uma maneira um pouco diferente. Acreditamos que vamos atender de 50 a 100 cidades.

Nossa meta até 2022, na parte de serviços sociais, é estruturar projetos de saneamento que levem água e esgoto a 20 milhões de pessoas, e iluminação pública de qualidade para 14 milhões de pessoas. Fazer concessões para 20 mil quilômetros de estradas, sendo 16 mil novos. Privatizar 30 empresas. Na parte de crédito, temos de financiar projetos em energia, logística, mobilidade urbana, educação, saúde, segurança.

Há meta de investimento?

Vamos desembolsar por ano entre R$ 50 bilhões e R$ 70 bilhões, mas o financeiro não importa. O BNDES vai atuar como um catalisador, mitigando risco, entrando junto, porque isso faz a diferença para o setor privado. Se, para financiar 1,6 mil quilômetros de linhas de transmissão, o BNDES colocar R$ 100 e o privado, R$ 10, é muito pior do que BNDES colocar R$ 10 e o privado, R$ 100 —porque eu consigo fazer a mesma coisa, com menos recurso. O objetivo do banco é fazer isso, não é desembolsar dinheiro. Quanto mais fizer salvando recurso público, melhor o nosso trabalho.