Valor Econômico
17/09/2020  

O saneamento básico pode ser utilizado como exemplo da importância desses regimes, excluídos da reforma tributária

Os projetos de reforma tributária que estão em tramitação, tanto em nível constitucional (PEC 45 da Câmara dos Deputados e PEC 110 do Senado Federal) quanto legal (PL 3.887 que unifica PIS/Cofins criando a CBS), são coincidentes no tratamento aos regimes especiais de tributação: todos propõem a sua extinção. O principal argumento para rejeitar os regimes especiais seria a manutenção de “gastos tributários” que causam distorção no sistema tributário. Na minha opinião, esse argumento incorre em (pelo menos) dois equívocos: em primeiro lugar, equipara todo e qualquer regime especial, sem considerar a sua aplicação e os seus efeitos; segundo, os regimes especiais, fundamentados em políticas tributárias, não são “gastos tributários”, mas técnica indutora.

Tomando por base o tão festejado recém aprovado marco regulatório do saneamento básico, quero avaliar o regime tributário concedido aos projetos de infraestrutura (Reidi). Para tanto, trago à comparação o Projeto de Lei n° 3.887, que cria a CBS em substituição a PIS/Cofins, porque entendo ser esse o texto mais próximo do modelo que inspirou as propostas de reforma tributária de nível constitucional.

De maneira geral (e inicial) uma boa medida, a CBS permite a tomada de crédito fiscal de bens e serviços relacionados a investimento integralmente no momento da aquisição. Isso significa que, para atividades em desenvolvimento, a CBS destacada na compra de máquinas, equipamentos, materiais e serviços de construção civil poderá ser, desde logo, utilizada para compensar a própria CBS e, após três meses, qualquer tributo federal. Trata-se de dinheiro praticamente imediato para pagamento de tributos

No entanto, no caso de concessão de infraestrutura, como o saneamento básico, por meio de Parceria Público-Privada (PPP), modelagem comumente utilizada no saneamento básico, a pessoa jurídica vencedora da licitação deverá constituir uma sociedade de propósitos específicos (artigo 9° da Lei n° 11.079, de 2004). Vale dizer, a concessionária dos serviços de saneamento básico será uma pessoa jurídica recém constituída. Com isso, a aquisição de bens e serviços referente ao investimento inicial para a execução do serviço público gerará um estoque de crédito fiscal que somente será utilizado quando ocorrer a primeira cobrança da tarifa de água ou esgoto, alguns anos depois – e sem correção dos créditos.

Indo além, vedar o tratamento tributário diferenciado pode ainda provocar outros impactos negativos para o tão necessário investimento em infraestrutura no Brasil, que, com o Teto de Gastos, deveria prioritariamente vir da iniciativa privada. Cito duas situações, seguindo ainda o exemplo do saneamento básico, porque esse é o tema do momento, embora possam ser replicadas a qualquer projeto de concessão de serviços públicos.

A execução dos serviços de saneamento básico, em particular, e dos serviços públicos, quase em caráter geral, demanda muito investimento no início e tem prazos razoáveis de retorno financeiro, o que se nota pelos contratos de concessão (não inferior a 5, nem superior a 35 anos nas PPP, conforme artigo 5°, I da Lei n° 11.079, de 2004). Sendo assim, considerando a capacidade contributiva do projeto, cujo consumidor final é o cidadão usuário do serviço público, seria razoável aplicar uma tributação progressiva sobre a receita de acordo com a evolução da execução, de modo a alcançar a modicidade tarifária (artigo 22, IV da Lei n° 11.445, de 2007, com a redação dada pelo novo marco legal do saneamento básico).

Em razão das mesmas características (prazo do serviço e cobrança do cidadão usuário), seria razoável aplicar aos serviços públicos concedidos o “regime especial”, utilizado na agroindústria, que permite a compensação integral do prejuízo fiscal no caso de lucro da exploração.

Como escrevi em outra oportunidade, o tributo não é um fim em si mesmo, mas instrumento de política econômica (social e ambiental, por que não?). Assim, a reforma tributária não pode eliminar a função indutora dos tributos.