Para Renata Ruggiero, é necessário investir em modelos de gestão comunitários autossustentáveis

Patricia Pamplona – Folha de São Paulo

1º.fev.2019 às 9h00

Os problemas de acesso a água e saneamento básico são abordados frequentemente. Com 17% da população sem acesso ao bem e outros 48% sem coleta de esgoto, o país enfrenta desafios para cumprir a meta de universalizar o sistema até 2033.

Diante dos desafios, institutos, empresas e organizações da sociedade civil têm se mobilizado para levar esse acesso às populações que ainda são desassistidas. “Se quiser fazer algo sozinho ou colocar dinheiro próprio, não vai mexer nem em 0,1% do cenário com todo o potencial de investimento que conseguiria mobilizar”, afirmou Renata Ruggiero, diretora-presidente do Instituto Iguá de Sustentabilidade.

A entidade foi criada no ano passado para atuar no setor de maneira inovadora e tem como foco a educação e a universalização. Já no fim de 2018, foi a segunda coinvestidora da Aliança Água+Acesso, iniciativa do Instituto Coca-Cola com organizações do terceiro setor, como o Projeto Saúde & Alegria, que integra a Rede Folha de Empreendedores Socioambientais.

Diante de um setor complexo, que envolve tanto o setor público como o privado, ela disse que o instituto complementa o trabalho das empresas, que nem sempre têm viabilidade econômica para implementação.

“Se o prefeito determina que quer que cubra todo o município, até o limite da área, inclusive em áreas rurais e sem subsídio, cobrando diretamente da população, fica inviável.”

Como se configura o setor de água e saneamento no país? É um setor que muitas vezes é quase invisível, apesar de ser muito visível pelo tamanho do problema e como é base de tudo, impacta em todas as áreas, educação, saúde, produtividade.

O ecossistema de todos os stakeholders é um setor complexo e tem um envolvimento do governo, então as pessoas muitas vezes veem como um tema muito distante e ninguém abraça a causa muito efetivamente.

Quais os reflexos do déficit de saneamento no país? Dos 35 milhões [que não têm acesso à água tratada], 20 milhões estão em áreas rurais, pequenos aglomerados de famílias que moram mais distantes do polo do município e acabam ficando fora do raio de atuação de qualquer serviço de saneamento, seja público ou privado.

São milhões de pessoas que estão meio esquecidas no mapa e ao mesmo tempo muitos dos problemas de saúde de educação são por falta de saneamento.

Como o Instituto Iguá se insere nesse contexto? A Iguá Saneamento nasceu a partir da aquisição por um fundo de investimento, que tem uma tese de investir em ativos em setores que a atividade por si só gera impacto social. O principal acionista tem uma visão de que ele queria não só investir em empresas, mas influenciar o setor onde elas atuam. E nesse sentido que nasceu a ideia de criar um instituto para atuar no setor.

A gente nasceu para atuar nesse setor e inovar na forma de fazer. A ideia não é que a gente faça todas as nossas iniciativas, mas que sejam iniciativas com uma característica multissetorial, é focar a causa e juntar esforços com outros atores.

Qual o trabalho do instituto em relação às empresas do setor? Eu estou complementando [as empresas], criando soluções menores e paliativas para lugares onde nunca daria viabilidade econômica uma empresa de saneamento, seja pública ou privada, ir..

Não justifica fazer todo o encanamento de, por exemplo, São Sebastião [no litoral norte de SP], que é um município extenso de área e tem um conjunto de 200 famílias, porque o retorno de cobrança dessas pessoas nunca vai pagar esse investimento.

Não seria necessária uma mudança de cultura das empresas, de pensar além da viabilidade econômica? Quando um prefeito vai fazer uma concessão, ele delimita a área atendida e uma série de questões. Se o prefeito determina que quer que cubra todo o município, até o limite da área, inclusive em áreas rurais e sem subsídio, cobrando diretamente da população, fica inviável.

No fundo, não é uma decisão só da empresa, esse papel dos prefeitos é muito importante porque eles decidem isso e definem o arranjo que querem para o serviço na cidade.

Dentro desse cenário, qual é o foco de atuação do instituto? Temos dois grandes objetivos, que são contribuir para universalização do saneamento no Brasil e contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade mobilizada sobre o ciclo da água, incluindo a questão do esgoto. Esse é um assunto que não está na pauta das melhores escolas.

Por que o ciclo da água? Hoje, no Brasil, 48% não têm coleta de esgoto, vivem ou com esgoto a céu aberto ou minifossa, que muitas vezes não é feita adequadamente. E as pessoas não têm ideia, fazem a fossa que às vezes está contaminando o lençol freático da água que estão consumindo. Isso não aparece, ninguém sabe.

Quais os desafios nessas duas frentes? Da universalização, quando se vê esses números, se quiser fazer algo sozinho ou colocar dinheiro próprio, não vai mexer nem em 0,1% do cenário com todo o potencial de investimento que conseguiria mobilizar. Então vamos juntar forças, e nossa primeira iniciativa é a adesão da Aliança Água+Acesso, que somos o segundo coinvestidor, junto com o Instituto Coca-Cola.

No caso da educação, tem um desafio muito grande. O serviço de saneamento é algo que as pessoas pensam ‘como complexo, é coisa do governo, não tenho nada a ver com isso, não entendo direito o que é isso’. É um desafio trazer essa consciência para a população e de uma coisa que é muito básica.

Como avançar diante desse cenário? Não adianta só investir em infraestrutura, é necessário um investimento na criação e consolidação de modelos de gestão comunitários autossustentáveis. Uma vez construída [a infraestrutura], é a própria comunidade que gere isso, e não dá para ficar colocando dinheiro infinitamente.

Na prática, muitos desses investimentos que foram feitos em estruturas  depois de dois, cinco anos estavam abandonadas, sucateadas porque não tinha quem fizesse manutenção.

Foi identificado que era importante fomentar a criação de organizações comunitárias que fizessem a gestão desse sistema, a cobrança para população, simbólica, para sustentar a manutenção. Empodera-se a comunidade a cuidar, para perceber o valor.

Como você vê a importância de uma atuação em conjunto? Como cada um pensa investir individualmente, nunca se vai ter o melhor cenário coletivo. É só quando consegue articulação e coordenação desse movimento que se consegue o maior coletivo.