Grupo teme que empresas do setor disputem os contratos mais lucrativos e desprezem cidades pequenas

Por Mara Gama, Folhapress — São Paulo
28/12/2019 09h06 · Atualizado

Com o programa de privatização do saneamento básico aprovado no país, a tendência é que as empresas do setor disputem os contratos mais lucrativos e desprezem cidades pequenas e comunidades periféricas ou isoladas.

Essa é a avaliação de Claudia Visoni, integrante do primeiro mandato coletivo do Estado de São Paulo, a “mandata” da Bancada Ativista na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) “Achamos que a privatização não é positiva. Há vários exemplos no mundo de locais que estão remunicipalizando esses serviços. O Brasil está atrasado e na contramão”, diz Claudia Visoni. “Saneamento humano é um direito.”

“O Brasil é um país de renda média e saneamento péssimo. É vendido para a gente que o saneamento depende de grandes obras e centralização”, diz Claudia.

“A vida inteira ouço que daqui a 20 anos vai ter cobertura de esgoto no Brasil e nunca aconteceu. As manchas urbanas vão aumentando e o esgoto não chega nem perto desse ritmo. É enxugar gelo”, afirma.

Segundo a codeputada, o modelo deve ser repensado. Há problemas em todas as fases: na coleta doméstica, no afastamento a grandes distâncias, que obriga a um sistema capilar e robusto, no processo de tratamento em grandes centrais e na qualidade do que é devolvido ao meio ambiente. A falta de transparência impera, de acordo com Claudia.

“O primeiro passo é romper com a centralização do tratamento. Tem de descentralizar. Em vez de criar uma malha enorme que afaste o esgoto em grandes distâncias, tem de ser tratado na região. Para essa descentralização, há várias tecnologias que podem ser contempladas, dependendo do caso.”

“Culturalmente estamos habituados a defecar no vaso sanitário em água potável como se fosse a única possibilidade. Não é. É um erro usar vaso com água potável, sobretudo em época de crise de água. E seguir pensando que se joga para fora o esgoto. Não tem fora. Esse hábito não conversa com a lógica e nem com a realidade da escassez de água”, diz Claudia.

A codeputada considera que há oportunidades de negócios verdes na área do saneamento ecológico descentralizado como técnicas como as das bacias de evapotranspiração (BET), das fossas-filtro e dos banheiros secos, que são eficientes, econômicos e que não desperdiçam água.

Há, porém, falta de legislação adequada para dar segurança jurídica a quem queira implantar esses sistemas. Por este motivo, a “mandata” resolveu centrar esforços em apresentar projeto de lei sobre o tema no próximo ano.

“2020 será o momento de debater, difundir informação e propor uma lei. Quais as ações possíveis? Lugares que não serão alvo de interesse de empresas que querem só lucrar são locais adequados para tecnologias da permacultura”, afirma.

“O Brasil tem uma tradição importante de sucesso no programa das cisternas, que veio da Articulação do Semiárido (ASA). Esperamos que essas tecnologias de saneamento descentralizado se tornem mais populares. Substituir o uso de fossas negras, por fossas-filtro e banheiros secos, que isolam os dejetos do contato com a água do subsolo”, diz.

A ASA é uma organização da sociedade civil criada em 1999, durante a COP-3 (3ª Conferência das Partes da Convenção de Combate à Desertificação e à Seca), no Recife (PE). O semiárido brasileiro ocupa área de 982 mil km² nos biomas da caatinga e do cerrado.

A ASA ativou o programa Um Milhão de Cisternas, que previa que cada família tivesse uma cisterna para armazenar água de chuva para o consumo humano. O modelo escolhido era o das cisternas de placas, de tecnologias simples, baixo custo e fácil replicação. As iniciativas coordenadas pela Articulação do Semiárido já atenderam 1,2 milhão de famílias.

Remunicipalização

O movimento de privatização dos sistemas de água e esgoto nos anos 1990 começou a enfrentar um revés em meados dos anos 2000. O aumento das tarifas, o não cumprimento das metas de universalização e a falta de qualidade do serviço são fatores que podem explicar a tendência de remunicipalização em várias cidades do mundo, como em Buenos Aires, na Argentina.

No livro “Remunicipalisation, Putting Water Back into Public Hands” (Remunicipalização, trazendo a água de volta ao sistema público), de 2012, os autores Olivier Hoedeman, Satoko Kishimoto e Martin Pigeon observam que as lutas pela reestatização desses serviços miram também pressionar por um novo modelo de gestão em que as empresas de água sejam mais transparentes e prestem contas à sociedade.

O exemplo mais robusto apontado no estudo é o da remunicipalização da gestão em Paris, na França, no fim dos anos 2000. “O novo operador público pôs fim à opacidade financeira e pouca responsabilidade que caracterizou a gestão privada, demonstrando que a remunicipalização não se limita apenas à transferência de propriedade e controle de gestão, mas leva à adoção de políticas avançadas de água, melhorar os padrões ambientais”, escrevem os autores.