Estadão
22/04/2020

Por Amanda Pupo e Cristian Favaro

Fragmentação é percebida no número de agências reguladoras, que chegam a 52 – 21 municipais, 25 estaduais, cinco consorciadas e uma distrital

A regulação descentralizada dos serviços de saneamento cria dificuldades para que o governo federal dirija soluções específicas para as empresas do setor durante a pandemia. As companhias, que sofrem com o aumento da inadimplência, por ora têm à disposição medidas articuladas pelo Executivo que atingem transversalmente as empresas brasileiras. O segmento, no entanto, reclama por mais iniciativas direcionadas, como as que vêm sendo aplicadas em outras áreas.

Setores como de energia, telecomunicações e aviação civil têm em comum a regulação e a governança sob responsabilidade do Executivo federal, afirmou o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria.

“As ações que tomamos exigem este nível de controle. Por exemplo, a criação de ativos regulatórios para lastrear dívidas, diferimento (postergação) de encargos setoriais, controle sobre os recebedores de benefícios de baixa renda”, afirmou Mac Cord.

No saneamento, a competência é municipal e em diversos locais delegada à gestão estadual. A fragmentação é percebida no número de agências reguladoras: há pelo menos 52 entidades – 21 municipais, 25 estaduais, cinco consorciadas e uma distrital. Associações do setor, no entanto, cobram um “pacto entre os diferentes entes federativos” para que o País possa implantar medidas emergenciais padronizadas.

“O setor é legalmente essencial, na prática essencial, mas não está sendo olhado como essencial pelo governo”, disse o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aebse) e da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), Marcus Vinícius Fernandes Neves.

Diretor-presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Carlos Eduardo Tavares de Castro afirmou ser muito relevante que o poder público tenha um olhar específico para os usuários da tarifa social, como ocorreu no setor elétrico.

“Existe, por sinal, uma discussão a respeito de fazer algo similar na telefonia. E, no saneamento, não há essa discussão”, disse. Castro pontuou que as empresas de saneamento são fortes recolhedoras de PIS/Cofins, e que uma parte desse recurso poderia ser voltado para um subsídio direto do usuário da tarifa social.

Diretor econômico-financeiro e de Relações com Investidores da Sabesp, Rui de Britto Álvares Affonso reconheceu ser “muito difícil” se alcançar um homogeneidade no setor em razão do poder concedente dos serviços ser o município. Segundo ele, caberia uma articulação via governo federal para construir uma rede de proteção ao saneamento, a exemplo de fundos e compensações praticadas em outros setores.

Para o presidente da Aesbe, o País perdeu a oportunidade de instituir um fundo de universalização durante as discussões do novo marco legal do saneamento. O projeto já passou na Câmara e aguarda votação no Senado. “Se tivesse sido criado, seus recursos hoje poderiam servir de lastro para empréstimos ao setor ou para aporte em iniciativas de isenção”, avaliou Neves.

O secretário de Infraestrutura do Ministério da Economia discorda. “É um incentivo perverso”, disse Mac Cord. Para ele, esses fundos passam a absorver funções diferentes com o passar do tempo e se tornam pesados na conta do consumidor. O secretário cita a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que banca subsídios na conta de luz, cujo orçamento em 2020 é de quase R$ 22 bilhões.

Por ora, iniciativas para a população de baixa renda têm sido decididas no âmbito de Estados e municípios. A Sabesp, por exemplo, deve gastar entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões para isentar 2,1 milhões de pessoas na tarifa social por 90 dias. Já a Copasa postergou por dois meses o pagamento das faturas do mesmo segmento, que representa R$ 21 milhões por mês da receita da empresa.

Na visão do secretário de Infraestrutura do Ministério da Economia, para os serviços públicos de competência de Estados e municípios, o apoio do governo federal precisa ser via governos regionais. Ele citou, por exemplo, o repasse feito pela União de R$ 16 bilhões para Estados e municípios via fundos de participação. “Estes titulares, que em 97% dos casos do saneamento são os controladores das empresas, terão total controle sobre onde alocar”, disse.

Ele afirmou ainda que as ações do governo federal beneficiam vários setores de maneira simultânea, como a suspensão no pagamento dos empréstimos do BNDES por seis meses, o adiamento no pagamento de impostos e a permissão para corte de salário e jornada, entre outras.