GZH Economia
10/08/2021

Cidades maiores e com melhor cobertura de esgoto temem ter de subsidiar indiretamente localidades menos atrativas

A proposta de regionalização das concessões de saneamento no Rio Grande do Sul para atender às exigências do marco regulatório, introduzidas pela Lei 14.026/2021, coloca pequenos e grandes municípios em diferentes posições. Diante dos cenários apresentados pelo governo gaúcho à Assembleia Legislativa, emergem três zonas de interesses conflitantes. 

A primeira se refere aos 307 municípios que pertencem ao chamado “blocão Corsan”, a segunda às cidades com autarquias próprias e, por fim, à necessidade de todas elas aderirem aos blocos regulados pelo subsídio cruzado, na tentativa de viabilizar investimentos nos locais considerados menos atrativos.     

O que está em jogo é a adaptação ao marco legal do saneamento, que prevê universalizar, até 2030, o abastecimento de água e, em 2033, o esgotamento sanitário no país. Para garantir isso, a principal aposta da legislação é na regionalização dos serviços.  

Considerando que no Brasil apenas 54% da população tem acesso ao esgoto tratado e no Rio Grande do Sul a cobertura é ainda menor, de 32%, o governo do Estado lançou três projetos de lei (PLs) para garantir as metas estabelecidas pela legislação federal. Um deles, o PL 211/2021, dispõe sobre a privatização da Corsan.  

Outro, o PL 210/2021, cria a Unidade Regional de Saneamento Básico (URSB) Central, com os munícipios que possuem os chamados contratos de programa (sem licitação) em andamento com a estatal. Ambos correm em regime de urgência e devem trancar a pauta da Assembleia a partir do próximo dia 31. 

Há ainda o PL 234/2021, que institui três URSBs: Sul, Nordeste e Litoral Norte. O secretário Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Luiz Henrique Viana, afirma que o critério utilizado foi a conciliação entre a localização, nas bacias hidrográficas, e a sustentabilidade econômica de cada bloco.  

Na prática, uma vez aprovadas, as leis constituirão as unidades regionais e os municípios precisarão aderir ao zoneamento em até 180 dias. Aqueles que não o fizerem, terão o acesso aos financiamentos e programas de investimentos federais comprometidos. Já os que procederam de acordo passarão a atuar em conjunto nos consórcios estipulados pelas leis estaduais. 

— Queremos chegar ao melhor denominador. É um grande desafio, mas a obrigação é de cada município. A do Estado é estabelecer a regionalização — diz Viana.    

Interesses conflitantes 

O foco central das insatisfações, afirma o advogado Luiz Gustavo Kaercher Loureiro — sócio do escritório Souto Correa e autor do parecer sobre a regionalização para a Fiergs —, está na perda de autonomia para os municípios que têm maior capacidade de regulação. Segundo ele, é importante conhecer a realidade dos estudos de viabilidade econômica que orientaram a construção dos blocos.  

— É fundamentalmente econômica a razão dessa relutância — garante.   

É o caso de Porto Alegre. Após 60 anos de investimentos no setor, via Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), a cidade coleta 70% e trata 50% do total de esgoto. A secretária de Parcerias Estratégicas, Ana Pellini, comenta que a Capital também possui um estudo de concessão em andamento. Uma das cláusulas prevê a manutenção da tarifa de água e a correção anual atrelada à inflação.    

A secretária defende que as unidades congreguem o planejamento de ações e não instituam a prestação de serviços unificada. Para Ana Pellini, é impossível explicar aos porto-alegrenses que a tarifa sofrerá aumentos para custear outras cidades.   

— Reconhecemos que o saneamento é regional, pois não adianta tratar o nosso esgoto e a cidade vizinha poluir o rio. Só que, do jeito que está posto, é muito difícil Porto Alegre aderir — argumenta.  

Tramitação dos projetos  

 Ciente da relevância do tema, o presidente da Assembleia Legislativa, Gabriel Souza, instituiu uma série de videoconferências com os prefeitos de cada bloco regional. O primeiro em análise foi o Central, que reúne os contratos ativos da Corsan.   

A unidade, explica, já existe “informalmente” e conta com 307 cidades que praticam o subsídio cruzado na esfera de atendimento da Corsan. Ou seja, a tarifa já é regulada com base no rateio entre os superavitários e os deficitários.  

Antes do marco regulatório, a lei permitia a figura jurídica dos contratos de programa entre estatais e cidades. O município era obrigado a oferecer a prestação à Corsan, que, por sua vez, não participava de licitações. Agora, esses contratos de programas devem ser transformados em contratos de concessão.   

A Corsan incentiva os aditamentos. Isso porque, em caso de privatização, sem eles, a estatal perderia valor de mercado.  

Por outro lado, o presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Eduardo Bonotto, aconselhou prefeitos a não assinarem os aditivos, em razão das incertezas e da  falta de segurança jurídica.  

Neste ponto, Bonotto afirma que os temas “regionalização” e  “privatização da Corsan”, ainda que diferentes, acabam por convergir. Ele explica que a lei conduz para alguns princípios, como o associativismo nas concessões e o viés privatizante, que demanda concorrência entre o setor privado na prestação dos serviços.  

O presidente da Assembleia, por sua vez, considera as URSBs um “quebra-cabeças”. Por isso, pretende antecipar a votação da regionalização para que a lei unifique os municípios da Corsan, seja ela pública ou privada.  

— Caso contrário, pode haver debandada de prefeitos que eventualmente discordem da privatização — justifica.   

Ambos os PLs correm em regime de urgência e trancam a pauta a partir do dia 31. Até lá, Souza não descarta alterações nos textos, mas lembra que as regras são federais e o Estado tem de cumpri-las. Caso não ocorra, o governo ffederal tem prerrogativa para definir os blocos.  

— Melhor debater aqui, na Assembleia, do que na Agência Nacional das Águas (ANA), e isso pode acontecer — pontua.