Valor Econômico

28/12/2020

Por Camila Souza Ramos — De São Paulo

Recuperação de florestas garante oferta de água

Iniciativa criada pela TNC une atores públicos e privados para fomentar a recuperação de vegetação em bacias hidrográficas, e já reflorestou 124 mil hectares

Há cinco anos, Roberto de Morais tinha um problema: queria restaurar a paisagem da propriedade de sua família em Salesópolis, na Serra do Mar, após anos de degradação de pastagens, mas sua renda com a produção de mel no imóvel era insuficiente. Foi quando um encontro sobre uma iniciativa então inédita de recuperação de vegetação em bacias hidrográficas mudou o curso de sua história e tornou possível o investimento, feito com recursos privados.

Até agora, Morais já reflorestou 2 dos 22 hectares de sua propriedade dentro do projeto Produtor de Água, liderado pela prefeitura do município paulista com apoio da Coalizão Cidades pela Água, criada pela ONG The Nature Conservancy (TNC). A iniciativa une entes públicos e privados para fomentar a recuperação de vegetação em bacias hidrográficas e já reflorestou 124 mil hectares, extensão maior que a da cidade do Rio de Janeiro. Essas áreas garantem o fornecimento de água para 60 milhões de brasileiros, que representam metade do PIB do país.

A iniciativa nasceu em 2015, ano em que a Grande São Paulo chegou perto de um colapso no abastecimento de água e as populações de vários centros urbanos no país ainda viviam a pior crise hídrica em seis décadas. A seca fez com que organizações governamentais e não governamentais começassem a discutir medidas para evitar a repetição do trauma. E, se há um consenso entre ambientalistas sobre como garantir segurança hídrica pelo lado da oferta, é a preservação e recomposição de vegetação em mananciais.

Para a TNC, essa solução tinha que passar pelos proprietários rurais, que têm a maior extensão de terras com mananciais e cabeceiras de bacias hidrográficas. “Se eles não participam, só dá para intervir nas áreas públicas”, afirma Samuel Barreto, gerente nacional de Água da TNC Brasil.

Para tirar a ideia do papel, a ONG elegeu como foco de atuação, neste primeiro ciclo da iniciativa, bacias que atendem seis grandes centros: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Vitória. Foram identificados tanto áreas prioritárias e quanto donos de terras que poderiam se engajar na restauração. Em outra frente, a TNC mapeou iniciativas regionais já existentes de recuperação de bacias e as empresas que já têm impacto ambiental – ou que se interessam pelo tema e poderiam dar apoio financeiro aos projetos.

Em cinco anos, a iniciativa assegurou mais de R$ 20 milhões aos produtores. Do montante total, R$ 17 milhões foram levantados com empresas e R$ 6,5 milhões com outras fontes, como editais públicos. Se considerados os aportes nos projetos, a coalizão tornou possível investir mais de R$ 243 milhões na recuperação das matas.

A primeira ação ocorreu em Extrema (MG), a partir do fomento a um programa de pagamento por serviços ambientais da prefeitura com apoio da Agência Nacional de Águas (ANA) e do setor privado.

No caso da propriedade de Roberto de Morais, a 13 quilômetros de um conjunto de nascentes em Salesópolis, a recuperação florestal contou com recursos da Kimberly-Clark e da Harley-Davidson. Mas, além da regularização ambiental da propriedade, o apicultor já começou a sentir benefícios no bolso. “Para a apicultura, não sei mensurar o ganho, mas aumentou. As abelhas nativas são sistêmicas, precisam de floresta nativa. Já tenho percebido um aumento de enxame natural”, diz.

Em Jaguariúna (SP), produtores foram remunerados para conservar e restaurar áreas de preservação em suas propriedades, o que garantiu a conservação de 1,6 mil hectares. Os produtores receberam valores equivalentes aos que obteriam em suas atividades agropecuárias. A coalizão articulou o projeto com ANA, prefeitura, Agência das Bacias PCJ e Embrapa.

A Ambev, responsável por financiar a iniciativa, tem alto impacto no consumo hídrico. A empresa informou ter consumido no ano passado 35 milhões de metros cúbicos de água – equivalente ao volume recomendado pela ONU para uma cidade com 800 mil habitantes -, dos quais 14 milhões se encaixam em seus critérios de “risco hídrico”.

Segundo Mariana Bazzoni, gerente de sustentabilidade e suprimentos da companhia, a participação da empresa na coalizão se dá porque a água faz parte “estratégica” do negócio e porque “é um recurso essencial para o bem-estar econômico, social e ambiental de nossas comunidades”. “Reconhecemos que nosso negócio causa impactos ao meio ambiente e, por isso, valorizamos iniciativas que auxiliem na economia e distribuição de água a quem não tem acesso”, afirma a executiva.

Há casos de projetos que contam com recursos públicos. É assim em Camboriú (SC), onde propriedades em áreas de mananciais recebem um percentual da tarifa da água para manter a floresta em pé. A iniciativa chamou a atenção do governo paulista, e a Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e a Sabesp discutem aplicar no Estado medida semelhante.

Agora, a TNC quer entrar em uma nova fase do projeto da coalizão em que o objetivo é ampliar a escala. Em breve, a organização pretende lançar uma plataforma de pagamentos por serviços ambientais para atrair participantes com outros perfis, como investidores interessados em restauração florestal, produção de água e sequestro de carbono.