Valor Econômico
29/05/2020

Por Ana Carolina Neira

Alívio observado nos ativos locais é pontual e gestores ainda esperam volatilidade no médio prazo

O anúncio do governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), de que o Estado adotará medidas de flexibilização de isolamento social de forma gradual a partir da próxima  segunda-feira trouxe um clima de que o pior já passou para os investidores, mas não garante o otimismo no mercado. Com a leitura de que 2020 já é um ano perdido, o olhar agora como a se voltar para 2021, e a expectativa continua sendo de volatilidade na bolsa diante dos riscos políticos e de uma nova onda de contágio no radar.

“Nosso maior risco e preocupação é com uma segunda onda de contágio e, caso haja uma piora acentuada nos números de infectados, pode ser que tudo seja revisto”, afirma Fernando Borges, gestor de ações da Garde Asset, ressaltando que os Estados também passam por dificuldades financeiras por conta do fechamento de estabelecimentos e menor circulação de pessoas.

No dia do anúncio do plano, contudo, Doria não afastou a possibilidade de “dar um passo atrás”, caso as medidas de flexibilização do isolamento levem a um novo pico de infecções em São Paulo. Mas, por enquanto, os agentes não trabalham com essa possibilidade e preferem manter os olhos em um horizonte mais distante. “2020 já não é mais parâmetro para nada em termos de lucros ou rentabilidade das empresas, ninguém olha mais para isso no momento”, diz Borges

Neste, o gestor acredita que a bolsa brasileira pode subir nos próximos meses de maneira comedida, puxada por ações ligadas ao consumo imediato, como é o caso de supermercados, varejistas de moda, shoppings centers, locadoras de veículos e distribuidoras de combustível e comércio on-line, que sentiriam o primeiro impacto. A Garde projeta o Ibovespa em 90 mil pontos no mês de junho caso a reabertura aconteça, e em 100 mil pontos até o fim de 2020.

É preciso separar o que é fundamento do que é sentimento. Até a semana passada ainda discutíamos se teríamos um ‘lockdown’ completo no Estado, então claro que a reabertura anima os mercados, mas esse é apenas um ponto”, afirma Marcelo Audi, sócio da Cardinal Partners.

Audi acredita que esse movimento é limitado e retrata mais o sentimento dos investidores agora do que a existência de condições para que a bolsa passe por um novo rali e retome os níveis vistos antes da crise.

“Não estou totalmente convencido de que estamos num momento de alta, não tem como a bolsa subir indiscriminadamente”, afirma Audi, para quem a próxima temporada de balanços será essencial para medir os impactos da crise do coronavírus no lucro das empresas.

Daniela da Costa-Bulthuis, gestora da Robeco para o Brasil, também trabalha com um cenário de reabertura gradual da economia brasileira no mês de junho, mas ponderando que uma alta da bolsa viria mais por questões técnicas do que por um benefício direto da flexibilização.

“Vemos uma melhora global em relação ao coronavírus, mas este não é o caso do Brasil. O que pode ter é uma recuperação técnica, porque a bolsa e o real se desvalorizaram muito recentemente, mas nosso cenário estrutural ainda é preocupante”, afirma Daniela. O que parece consenso no mercado é que a reabertura da economia traz alívio pontual, mas o foco dos investidores já está em 2021, que promete ser um ano de maior fôlego para os ativos brasileiros.

“A preocupação agora é com a âncora fiscal, isso é o mais importante pensando nos preços que as ações podem atingir em 2021 e 2022. Sabemos que em junho, em maior ou menor medida, a economia vai reabrir e isso está precificado, agora podemos adotar uma postura mais construtiva em relação à bolsa”, afirma Gleidson Leite, gestor de renda variável da Western Asset Brasil. Ele também acredita em um bom momento para ações ligadas ao ciclo doméstico.

Por outro lado, enxerga mais dificuldades para papéis de setores considerados mais defensivos e muito demandados no período de aversão ao risco, como aqueles de saneamento e setor elétrico, havendo espaço para um ajuste de preço nesses ativos.

A Western Asset, neste momento, está revisando suas projeções para o Ibovespa. Para o dólar, os analistas estimam cotação de R$ 5,15 até o fim do ano, enquanto o PIB deve ter uma retração de 7,1%. A equipe reforça que o câmbio está mais sujeito ao nível de recuperação global e que um movimento mais lento poderia levá-lo a R$ 5,40 até dezembro.

Carlos Sequeira, chefe de pesquisa de ações para América Latina do BTG Pactual, trabalha com a expectativa de reabertura da economia no mês de junho, retomada parcial das atividades ao longo do terceiro trimestre e retorno aos níveis normais somente no último trimestre do ano. Isso geraria uma retração de 7% no PIB do Brasil, avalia.

“Acho que impacto negativo nos mercados de fato só teria se, em vez de acontecer em junho, essa reabertura viesse no fim do terceiro trimestre. A verdade é que o mercado olha muito pouco para 2020”, diz.

Neste aspecto, Gleidson Leite, da Western Asset, vê um cenário um pouco mais desafiador, ressaltando que o mercado não precificou um retorno ao isolamento caso necessário. “Não está no preço uma reabertura e para o isolamento depois de duas semanas, porque o número de casos cresceu demais. Mas, caso tudo corra bem, o mercado até empurra as questões fiscais e políticas para depois, relevando outros riscos”, explica.

Professor e coordenador do curso de economia da FGV EESP e consultor na FGV Projetos, Joelson Sampaio destaca que as bolsas globais devem reagir de maneira diferente à flexibilização das medidas de distanciamento, assim como aconteceu no movimento durante o auge da crise. Isso tudo devido à percepção sobre o impacto em cada economia, as políticas governamentais e a maturidade dos mercados.

Em estudo traçado sobre o impacto da doença nos mercados, Sampaio aponta que a bolsa brasileira foi aquela que mais perdeu terreno num lista de 19 mercados, quando consideradas a máxima e a mínima dos últimos dois anos. O Ibovespa teve baixa de 46,8%, pior até que a queda de 41,5% da bolsa italiana. Para ele, o Brasil não deve ficar tão para trás na retomada. “Hoje, o mercado dá mais peso para o lado positivo da reabertura. Não acho que está muito precificado o risco de ter de fechar novamente, porque o processo está sendo feito de maneira gradual.” (Colaborou Lucas Hirata)