Folha de São Paulo
11/11/2020

Por Nicola Pamplona

Após questionamentos do governador, banco tenta convencer estado a manter leilão de saneamento

Após questionamentos do governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) tenta convencer o estado a manter o cronograma do leilão, previsto para o primeiro trimestre de 2021.

O diretor de Infraestrutura, Concessões e PPPs (parcerias público-privadas) do banco, Fábio Abrahão, disse nesta quarta (11) que considera naturais os questionamentos do governador, mas afirma não ter dúvidas de que a concessão será muito mais benéfica ao estado do que o modelo atual.

Em entrevista na manhã desta quarta, Castro voltou a demonstrar preocupação com o modelo elaborado pelo BNDES. O principal ponto de questionamento é a capacidade de sobrevivência da empresa que permanecerá estatal e será responsável pela produção de água.

O governador disse temer que essa empresa não tenha receita suficiente para pagar suas dívidas e investir, passando a depender de aportes do estado no futuro. Seu antecessor, Wilson Witzel, também chegou a demonstrar dúvidas com relação ao processo, mas havia decidido pela venda antes de ser afastado do governo.

“As questões que o governador levantou são legítimas e até naturais, pelo fato de ele ter acabado de assumir, pela mudança de time”, disse Abrahão, em entrevista no fim da tarde desta quarta. Segundo ele, o projeto deixará para o estado uma empresa viável.

A privatização da Cedae é uma das contrapartidas que o Rio apresentou ao Tesouro para aderir ao regime de recuperação fiscal, que suspendeu as parcelas da dívida do estado com a União. Foi aprovada em 2017, em meio a violentos protestos na capital fluminense.

Logo após a aprovação, o então governador, Luiz Fernando Pezão, deu ações da empresa como garantia a um empréstimo de R$ 2,9 bilhões (hoje já em R$ 4,5 bilhões) para pagar salários atrasados durante o momento mais agudo de crise financeira do estado.

Caso o empréstimo não seja pago, essas ações passam para o Tesouro Nacional, que garantiu o empréstimo junto ao banco francês BNP Paribas. Castro diz que está renegociando o empréstimo, mas que ainda avalia a privatização da empresa.

DIVISÃO EM BLOCOS

O modelo elaborado pelo BNDES prevê a divisão da área de concessão da Cedae em quatro blocos, cada um com uma região da capital e cidades do interior. O valor de outorga mínimo foi estipulado em R$ 10,6 bilhões e os investimentos na universalização dos serviços serão de R$ 31 bilhões.

“É o maior projeto de infraestrutura do país”, disse Abrahão. “Primeiro porque mobiliza R$ 31 bilhões em investimentos. Com a outorga mínima, são quase R$ 42 bilhões de capital imobilizado, sem contar eventual ágio no leilão.”

Segundo ele, o governo do Rio pode receber R$ 6,8 bilhões da outorga já em 2021, dependendo de quando o leilão for feito. O valor corresponde às duas primeiras parcelas da outorga mínima. Ao todo, se o leilão sair pelo preço mínimo, o estado levará R$ 8,5 bilhões.

O diretor do BNDES diz que a experiência de leilões recentes reforça possibilidade de ágio, o que elevaria os valores recebidos. No fim de setembro, a concessão para os serviços de saneamento da região metropolitana de Alagoas teve ágio de 13.180%.

O cronograma prevê que R$ 12 bilhões sejam gastos nos primeiros cinco anos de concessão. O BNDES estima que os esforços pela universalização dos serviços para as 13 milhões de pessoas da área de concessão gere até 46 mil empregos, com mais R$ 34 bilhões de efeito renda.

Abrahão citou ainda a obrigação de investimentos na despoluição da Baía de Guanabara e na limpeza da Bacia do rio Guandu, que abastece a capital e a região metropolitana, como benefícios adicionais do processo de concessão.

Com o nível de investimento atual, diz o banco, a Cedae levaria 140 anos para universalizar os serviços de saneamento no estado.

A Cedae que permanecerá com o estado terá uma arrecadação de R$ 4,4 bilhões, valor considerado pelo BNDES suficiente para reescalonar sua dívida de R$ 6 bilhões e realizar os investimentos na melhoria da captação de água para vender aos novos concessionários.

Essa empresa seria a responsável por fornecer água para as quatro novas concessionárias que atenderão aos 47 municípios da área de concessão da Cedae. Os municípios dividirão 15% da outorga e 50% de eventual ágio no leilão, além de parte da outorga variável, que é um pagamento sobre a receita gerada pelas concessões.

Atualmente, o projeto está sendo analisado pela Procuradoria Geral do Estado, que pode recomendar mudanças. Depois, precisa ser aprovado pelos municípios envolvidos na concessão, antes da publicação do edital. A partir desse momento, diz Abrahão, começa a correr um prazo de 90 a 100 dias para o leilão.

Castro afirmou que não paralisou o processo enquanto discute com o BNDES suas dúvidas. “Estamos tocando o planejamento, não mudou nada”, disse. “As discussões [sobre o modelo] ocorrem em paralelo ao andamento da concessão.”