Valor Econômico
04/08/2020

Por Gabriel Vasconcelos

Além de ação ajuizada na Justiça Federal em junho para suspender o processo, representantes do município apontam inconsistências técnicas no projeto

A prefeitura do Rio de Janeiro tenta obstruir de todas as formas a concessão de serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae) à iniciativa privada. Além de ação civil pública ajuizada na Justiça Federal em junho para suspender o processo, representantes do município apontam inconsistências técnicas no maior dos oito projetos de concessão de saneamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As observações serão feitas hoje, na terceira audiência pública do processo, a última da etapa de consulta pública.

Ao Valor, o BNDES informou ter realizado “diversas reuniões” com o pessoal da prefeitura para alinhar questões técnicas e que tem dado respostas a suas demandas. O banco disse ainda que aprimoramentos poderão ser feitos nos documentos da concessão em função de novas sugestões.

Braço da prefeitura para o setor, a Fundação Rio-Águas afirma ter encaminhado ao BNDES relatório que aponta superdimensionamento da cobertura de esgoto em áreas capital fluminense e itens faltantes no plano de investimentos da concessão. Para a autarquia, se os dados não forem revistos, os contratos acabarão reajustados no futuro, com queda nos valores de outorga. Parte da outorga inicial de R$ 11 bilhões é encarada pelo governo do Estado como saída para o pagamento de empréstimo contraído em 2017 junto ao banco BNP Paribas, dívida hoje de R$ 4 bilhões.

De acordo com o presidente da Rio-Águas, Claudio Dutra, o alcance da rede na chamada AP4, área que reúne três bairros da Zona Oeste do Rio (Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes) foi estimada pelo BNDES, com base em números repassados pela Cedae, em 70% da população local, quando seria de apenas 46%.

“Na verdade, 24% da área formal não têm esgoto tratado nessa parte da cidade. Tudo é despejado em cerca de 400 pontos da rede de galerias pluviais. Isso terá de ser corrigido pelo concessionário”, diz Dutra. O número, explica, vem da análise do cadastro de usuários, obtido junto à Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado (Agenersa).

Em resposta, uma fonte do BNDES que participa da modelagem afirma que o investimento previsto para a AP-4 da capital observou o recomendado pela prefeitura. Ao todo, para o bloco que inclui os três bairros e outros sete municípios da região serrana, são esperados R$ 3,3 bilhões ao longo do contrato.

Haveria, também, déficit com relação à Zona Sul da cidade, onde o BNDES teria considerado 90% de cobertura e os representantes do município estimam 65%. Sobre isso, a fonte do  BNDES informou que a Cedae confirme os dados repassados ao Banco e que, ainda assim, os técnicos estudam alternativas para contemplar na modelagem a questão das ligações irregulares no sistema de drenagem da cidade.

Dutra elenca, ainda, uma série de intervenções que não constariam do atual plano de investimentos, como a modernização de elevatórias e a introdução de tratamento primário no emissário de Ipanema, para reduzir em um terço o volume de carga orgânica despejada no mar, como determina a legislação. O BNDES informou que segue as diretrizes da Cedae, para a desativação de uma das duas elevatórias da Zona Sul e a reconstrução de uma segunda, cujos custos serão considerados na revisão do investimento para a região.

“Tudo deveria estar previsto na modelagem, se não o investidor vai aumentar a tarifa, tirar da outorga ou simplesmente devolver o contrato”, diz Dutra. A Rio- Águas afirma que, feitas as correções, a previsão de investimentos saltaria de R$ 33,5 bilhões para pelo menos R$ 45 bilhões.

Os aspectos técnicos da concessão convivem com uma disputa jurídica animada por três processos na Justiça. Neles, a prefeitura evoca autonomia para outorgar serviços de saneamento de forma independente e questiona a validade de decisões da Região Metropolitana, alvo de uma ação de inconstitucionalidade, a mais antiga.

O procurador do município Felipe Taveira afirma que a capital é fonte de 77% da receita da Cedae e o retorno previsto pela modelagem está aquém dessa participação. Por isso, na ação mais recente, a prefeitura pede a suspensão da licitação ou revisão da partilha de outorgas. O pleito é que o município receba 7,5% das receitas por mês, à exemplo do que a Sabesp repassa à prefeitura de São Paulo, e que a outorga de entrada seja dividida igualmente entre estado e municípios. Hoje os municípios receberiam apenas 15% da quantia.

O processo aguarda decisão da Justiça Federal sobre pedido de conexão com outro, de 2019, no qual a prefeitura pede que a Cedae assuma a manutenção de galerias pluviais onde despeja esgoto. Segundo a prefeitura, houve liminar favorável, mas nunca acatada pela companhia.