Por Tobias Adrian e Fabio Natalucci – Valor Econômicos

10/04/2019 – 17:40

Nos Estados Unidos, a relação entre a dívida das empresas e o PIB está em níveis sem precedentes. Em vários países europeus, os bancos estão sobrecarregados com títulos públicos. Na China, a lucratividade dos bancos está em declínio e os níveis de capital se mantêm baixos nas financeiras de pequeno e médio porte.

Vulnerabilidades como essas estão crescendo em economias avançadas e de mercados emergentes, segundo o mais recente Global Financial Stability Report do FMI. Ainda não são motivo de alarme, mas se continuarem a se acumular, sobretudo em meio a condições financeiras ainda brandas, poderão amplificar os choques na economia mundial, aumentando as chances de uma grave retração econômica daqui a alguns anos.

Isso cria um dilema para as autoridades ao tentarem reverter a desaceleração da economia mundial, conforme discutido no World Economic Outlook. Ao abordarem a política monetária de maneira paciente, os bancos centrais podem acomodar os crescentes riscos de deterioração da economia. Mas se as condições financeiras permanecerem brandas por tempo demais, as vulnerabilidades continuarão a se acumular, e as chances de uma queda acentuada do crescimento econômico em algum ponto mais adiante serão maiores.

A boa notícia: os riscos de curto prazo para a estabilidade financeira mundial ainda são baixos para os padrões históricos, embora sejam ligeiramente maiores do que os que apontamos no Global Financial Stability Report de outubro de 2018. No médio prazo, porém, os riscos permanecem elevados. No entanto, com a combinação certa de políticas, os países conseguirão sustentar o crescimento e, ao mesmo tempo, manter as vulnerabilidades sob controle.

Por que nos preocupamos com as vulnerabilidades financeiras? Porque elas podem amplificar o impacto de choques repentinos — como uma desaceleração econômica mais acentuada do que a prevista, uma mudança inesperada na política monetária ou uma escalada das tensões comerciais. Vulnerabilidades maiores geram riscos maiores para a estabilidade financeira.

A mais recente edição do Global Financial Stability Report apresenta uma nova maneira de quantificar as vulnerabilidades no sistema financeiro, para que as autoridades possam monitorá-las em tempo real e, se necessário, tomar medidas preventivas para mitigar riscos. Esse quadro abrange seis setores: empresas, famílias, governos, bancos, seguradoras e outras instituições financeiras, algumas das quais constituem o que chamamos de bancos paralelos ou “shadow banks”.

O quadro acompanha o nível e o ritmo da variação de uma gama de vulnerabilidades, como a alavancagem e os descasamentos de prazos de vencimento e liquidez de ativos e passivos, assim como as exposições cambiais. Essas vulnerabilidades são acompanhadas nos níveis regional e mundial, por meio da agregação em 29 países sistemicamente importantes.

Eis algumas das vulnerabilidades mais graves:

– Economias avançadas.

A dívida das empresas e a tomada de riscos financeiros aumentaram. Além disso, a capacidade creditícia dos devedores se deteriorou. O estoque de títulos com classificação BBB quadruplicou, e o estoque de créditos de grau especulativo quase dobrou nos Estados Unidos e na área do euro desde a crise.

Um aperto acentuado das condições financeiras ou uma forte retração poderia tornar mais difícil para as empresas endividadas pagar seus empréstimos e forçá-las a reduzir os investimentos ou o emprego. Os chamados empréstimos alavancados para tomadores altamente endividados merecem atenção especial, como explicamos em um blog anterior e discutimos em mais detalhe no GFSR atual.

– Área do euro. Desafios fiscais em alguns países poderiam resultar em uma elevação acentuada dos rendimentos dos títulos, acarretando perdas significativas para os bancos detentores de grandes volumes de dívida pública. As seguradoras também poderiam enfrentar perdas. Essa dinâmica, conhecida como o “nexo entre os setores soberano e financeiro”, estava no centro da crise do euro em 2011. É claro que os bancos hoje têm coeficientes de capital mais altos, e as autoridades tomaram medidas para atacar o problema dos empréstimos improdutivos nos balanços dos bancos.

– China. A queda dos lucros e os baixos níveis de capital nos bancos de pequeno e médio porte estão restringindo o crédito para as empresas privadas menores. Mais apoio monetário e na forma de crédito pode aumentar os riscos para a estabilidade financeira, pois a expansão contínua do crédito torna mais difícil para os bancos menores sanear seus balanços.

Mercados emergentes. Cada vez mais, os investimentos de carteira estrangeiros em mercados emergentes são administrados por gestores que buscam atingir os retornos de índices populares. O valor dos investimentos de renda fixa referenciados quadruplicou nos últimos dez anos, chegando a US$ 800 bilhões. Embora os fundos orientados por índices ampliem o universo dos investidores de modo a abranger economias de mercados emergentes, também deixam os investidores mais vulneráveis a reversões repentinas dos fluxos de capital em resposta às tendências mundiais.

Felizmente, existem meios de lidar com essas vulnerabilidades:

– As chamadas ferramentas macroprudenciais podem esfriar a expansão do crédito e reforçar o sistema financeiro. Um exemplo: as reservas de capital anticíclicas, que exigem que os bancos aumentem o capital quando o crédito está em expansão.

– Os países em que a dívida das empresas é alta

poderiam desenvolver ferramentas para limitar o risco de crédito para as empresas – sobretudo o crédito fornecido por credores não bancários. – Na área do euro, reduzir a relação entre a dívida pública e o PIB, bem como prosseguir no saneamento dos balanços dos bancos, aliviaria esses riscos.

– A China precisa continuar a reduzir a alavancagem no setor financeiro, sobretudo no sistema bancário paralelo, e assegurar o acúmulo de reservas de capital pelos credores.

– As economias de mercados emergentes que lidam com fluxos de capital voláteis poderiam limitar a dependência de endividamento externo de curto prazo e garantir um volume suficiente de reservas em moeda estrangeira e de reservas fiscais. Os países também poderiam se valer do câmbio flexível para absorver choques.

Em algumas circunstâncias, países com economias fortes e inflação na meta ou acima dela também podem estudar a possibilidade de usar a política monetária para “ir contra a corrente”. Com a combinação certa de políticas, os países podem manter suas economias em movimento enquanto também limitam os riscos para a estabilidade financeira.

Tobias Adrian é o conselheiro financeiro e diretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais do FMI. Nessa função, dirige o trabalho do FMI relacionado com a supervisão do setor financeiro, as políticas monetária e macroprudencial, a regulação financeira, a gestão da dívida e os mercados de capitais. Além disso, supervisiona as atividades de fortalecimento das capacidades nos países membros do FMI. Antes de ingressar no FMI, foi Vicepresidente Sênior do Federal Reserve Bank de Nova York e Diretor Adjunto do Grupo de Estudos e Estatística. Lecionou na Universidade de Princeton e na Universidade de Nova York e é autor de numerosos artigos em publicações especializadas de economia e finanças, como American Economic Review, Journal of Finance, Journal of Financial Economics e Review of Financial Studies. Tem um doutorado do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), um mestrado da London School of Economics, um diploma da Universidade Goethe de Frankfurt e um mestrado da Universidade Dauphine de Paris. Recebeu seu diploma de bacharelado (Abitur) em Literatura e Matemática da Humboldtschule Bad Homburg.

Fabio Natalucci é subdiretor do Departamento de Mercados Monetários e de Capitais. É responsável pelo Global Financial Stability Report, que apresenta a avaliação do FMI dos riscos para a estabilidade financeira mundial. Antes de ingressar no FMI, foi Diretor Associado Sênior da Divisão de Assuntos Monetários do Federal Reserve Board. Entre outubro de 2016 e junho de 2017, foi Subsecretário Adjunto de Estabilidade e Regulamentação Financeira Internacional do Departamento do Tesouro dos EUA. É doutor em Economia pela New York University.

Este artigo foi publicado originalmente em inglês no dia 10 de abril de 2019.