Estadão
23/07/2020

Por Amanda Pupo

Partido aponta que o texto afronta a Constituição e prejudica as estatais do setor, ao abrir espaço para a inciativa privada; PDT também pede a suspensão cautelar de parte da lei

BRASÍLIA – Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada, a lei que institui um novo marco legal do saneamento já é alvo de ação judicial no Supremo Tribunal Federal (STF). O PDT entrou nesta quinta-feira, 23, com um processo na Corte para contestar a legislação, que abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força no saneamento. Para a sigla, o texto afronta a Constituição Federal e prejudica as companhias públicas estaduais de saneamento – empresas que hoje dominam o mercado e têm essa concentração ameaçada pelo novo marco.

O ministro Luiz Fux, que assumirá a presidência da Corte em setembro, foi sorteado relator da ação. Numa petição com mais de 60 páginas, o PDT pede que o STF suspenda de forma cautelar grande parte da nova lei. Um dos pontos questionados pela sigla é obrigatoriedade de os municípios licitarem os serviços de saneamento. Antes, eles podiam fechar os contratos diretamente com as empresas públicas.

Os problemas identificados nesse modelo, no entanto, estão entre os principais motivos que levaram o Congresso e o governo a trabalhar num novo marco para o setor. Pesquisa do IBGE publicada nesta semana apontou que, em 2017, quatro em cada dez municípios brasileiros ainda não tinham rede de coleta de esgoto em 2017.

Estudo da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), divulgado em junho, mostra que o Brasil teve mais de 40 mil internações causadas por doenças relacionadas a falhas de saneamento básico no primeiro trimestre deste ano. As internações ocuparam, em média, 4,2% dos leitos do SUS no período, por cerca de três dias. Além disso, elas custaram mais de R$ 16,1 milhões aos cofres públicos.

O PDT, no entanto, reclama desta mudança. “A Lei nº 14.026/2020 pôs fim a esse modelo, transformando o, de forma inconstitucional, em contrato de concessão, sem nem mesmo o respeito às garantias constitucionais, sob o argumento de que o estímulo à ampla concorrência traria mais eficiência à prestação do serviço”, afirma o partido.

A sigla afirma que haverá “inevitavelmente o desmonte das empresas estatais”. “Terão seus ativos estiolados e muitas delas estavam, inclusive, avançando na direção da expansão de seus serviços e na melhora de sua eficiência”, disse. Para o PDT, com as mudanças – e sem um regime de transição – a lei se configura como um “verdadeiro confisco” das empresas estaduais.

Vetos

Na petição, o partido também reclama do veto do presidente Jair Bolsonaro ao trecho da lei que permitia a renovação, por mais 30 anos, dos contratos das estatais com os municípios. O artigo derrubado também permitia que as situações de fato – onde há prestação de serviço sem contrato – fossem formalizadas pelas empresas públicas.

“Fruto de amplo diálogo entre o governo e a oposição, que foi desrespeitado pelo Executivo, essa diretriz preservava o interesse coletivo e o patrimônio público, ensejando que as companhias estaduais de saneamento básico que prestam um bom serviço público pudessem continuar a efetuá-los, com o escopo de alcançar as metas de universalização e modicidade de preços”, alegou o PDT. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, entre parlamentares que querem derrubar o veto de Bolsonaro, a avaliação é de a ação do PDT pode ser mais um componente de força.

O PDT ainda alegou que o novo modelo gera um risco de elevação nos preços de tarifa de serviços de água e esgoto. “Essa é uma das razões pela qual o Partido Democrático Trabalhista (PDT) está a acionar a jurisdição constitucional deste Egrégio Supremo Tribunal Federal para salvaguardar os direitos fundamentais da população brasileira”, afirmou.

Além de pedir que grande parte da lei seja derrubada pela Corte, o partido solicitou, alternativamente, que o STF dê “interpretação conforme à Constituição” para garantir que a empresa que ganhar a licitação dos serviços de saneamento não possa excluir das avenças os municípios “que não darão lucro”. Também pede que a Corte determine que as tarifas subam de acordo com o salário mínimo.