Valor Econômico
22/03/2021

Por Andrea Vialli

Para ONU, a saída está na ampliação de parcerias entre setores público, privado e sociedade civil

Mesmo antes da pandemia de covid-19, o mundo estava fora do rumo para atingir a meta de universalizar o acesso à água potável e ao saneamento básico – o ODS-6, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para 2030. Com a escalada global da doença, as metas ficaram ainda mais distantes: 3 bilhões de pessoas, o equivalente a 40% da população mundial, não têm acesso a estruturas para lavar as mãos com água e sabão, higiene básica no combate ao coronavírus. E, embora 1,6 bilhão de pessoas tenham experimentado melhorias no acesso à água tratada desde 2000, outros 2 bilhões carecem do serviço; 4,2 bilhões, o equivalente a 55% da população, não têm coleta e tratamento de esgotos.

Os dados fazem parte do relatório de acompanhamento do progresso do ODS-6, da ONU Água, interagência responsável por coordenar os esforços da ONU sobre os desafios relacionados à água. Além de signatário dos ODS, o Brasil também tem a meta interna de universalizar o acesso à água potável e ao saneamento até 2033, mas existem poucos motivos para comemorar. Apesar de ocupar o décimo segundo lugar entre 20 maiores economias do mundo com base no Produto Interno Bruto (PIB), metade da população não tem acesso ao saneamento e 35 milhões de pessoas não têm água tratada. “O relatório da ONU Água nos deixa preocupados, pois mostra como os temas estão interligados: a crise ambiental deu origem à pandemia, que é agravada pela crise sanitária e pela lacuna de acesso a saneamento, o que gera grave crise econômica”, diz Carlo Pereira, diretor executivo da Rede Brasil do Pacto Global da ONU, que reúne mais de 1.000 membros e tem o objetivo de engajar empresas no cumprimento dos ODS.

A rede mantém uma plataforma de ação pela água, que propõe a articulação com o setor público, ONGs e academia para iniciativas conjuntas. Algumas das que estão em andamento abordam o conceito de soluções baseadas na natureza, como a restauração de ecossistemas para aumentar a produção de água nos mananciais. “Um dos caminhos para cumprir o ODS-6 é a maior participação do setor privado, por isso é fundamental aumentar a conscientização das empresas para reduzir riscos hídricos e trazer mais investimentos em soluções baseadas na natureza”, diz Pereira.

Conscientização das empresas pode aumentar investimentos em soluções baseadas na natureza

O risco de faltar água – ou estresse hídrico, no jargão da ONU – acomete 2,3 bilhões de pessoas no mundo todo, sendo que 721 milhões vivem em regiões áridas ou semiáridas. A grave crise de água que secou reservatórios em regiões metropolitanas do Brasil entre 2014 e 2015 foi o pontapé para um projeto de recuperação de áreas de mananciais, plantio de florestas e pagamento por serviços ambientais para produtores que protegem nascentes, encabeçado pela ONG The Nature Conservancy (TNC). Batizada de Coalizão Cidades pela Água, a iniciativa desde então recuperou 124 mil hectares em bacias hidrográficas que suprem de água seis grandes regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Vitória.

Para isso, a ONG estabeleceu 78 parceiras estratégias com instituições do setor público, ONGs e empresas como Ambev, Pepsico, Coca-Cola, Faber-Castell, Klabin, Unilever e Bank of America. No período, soluções financeiras foram desenvolvidas utilizando desde recursos de compensação ambiental, dos comitês de bacias e taxas para conservação de mananciais. De acordo com Samuel Barreto, gerente nacional de água da TNC Brasil, o cenário de mudanças climáticas aumenta os riscos hídricos, já que a escassez de água pode comprometer a produção industrial, reduzir as outorgas de uso de água que as empresas detêm e paralisar o transporte hidroviário, entre outros impactos.

 “A percepção do risco nas grandes empresas é acima de 90%, mas menos da metade tem planos de ação para lidar com esse risco, por isso a coalizão oferece uma plataforma coletiva de ação”, diz Barreto. Agora, a iniciativa entra em seu segundo ciclo, que deverá priorizar as regiões da Mantiqueira, que abrange os Estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e tem um passivo de 1,5 milhões de hectares para serem recuperados, e Brasília. No futuro, estão nos planos adotar ações para a região do Alto Araguaia (entre os Estados de Mato Grosso, Tocantins e Goiás) e Pará.

Também na região da Serra da Mantiqueira a Fundação Toyota do Brasil, ligada à montadora japonesa, mantém o projeto Águas da Mantiqueira desde 2017, com uma abordagem inovadora sobre serviços ecossistêmicos e a realização de diagnósticos sobre a situação dos solos, rios, fauna e flora em Santo Antônio do Pinhal (SP), Gonçalves e Sapucaí-Mirim (MG). No primeiro município, as pesquisas do projeto já estão sendo utilizadas pela prefeitura da cidade para embasar políticas públicas para o uso da água e auxiliando a comunidade local na recuperação de áreas de mananciais.

Um exemplo é o condomínio Country Club, na área rural da cidade, que tinha um passivo ambiental de 20 hectares para ser recomposto e, por meio de uma parceria com o projeto, avançou na restauração de 15 hectares e realizou a compensação ambiental em outros cinco hectares, cedidos por um proprietário local que tinha uma reserva de Mata Atlântica bem conservada. Assim, mais do que plantar mudas, a conexão com esses remanescentes permitiu que a área se regenerasse em um curto espaço de tempo – em cinco meses, foi possível mapear o crescimento de 500 árvores de 31 espécies diferentes nas matas ciliares.

“Plantar árvores nativas é bom, mas conectá-las a remanescentes conservados acelera esse processo”, diz José Roberto Manna, coordenador do Águas da Mantiqueira. Ele comanda 30 pesquisadores em um estudo sobre vazão ecológica, pioneiro para a região da Mantiqueira. O cálculo visa estimar a quantidade de água necessária para a sobrevivência dos componentes do habitat – não só seres humanos, mas também fauna, plantas e animais domésticos nas áreas agrícolas.