Valor Econômico
28/04/2020

Por Marcela Rocha

A continuidade do comprometimento com o ajuste fiscal é preponderante para garantir mudança na trajetória da relação dívida/PIB

Uma profunda recessão econômica em 2020 ser inevitável não é novidade. Contudo, enquanto as incertezas a respeito do tempo que durarão as medidas de isolamento social para enfrentar a pandemia tornam o trabalho de projetar a magnitude da contração mais impreciso, as discussões mais relevantes se voltam à trajetória potencial da recuperação do crescimento doméstico e, principalmente, qual será o legado da atual crise para o Brasil.

Em relação ao ritmo de crescimento esperado para os próximos meses, os maiores desafios estão na saída do isolamento e no entendimento da eficácia das medidas econômicas já anunciadas para mitigar os impactos negativos da atual crise.

É inegável que todas as estimativas deverão considerar que o fim das medidas de restrição de mobilidade não é trivial. Os primeiros países que saem do confinamento comprovam que o relaxamento será gradual e temores a respeito de novos surtos da pandemia manterão as políticas de distanciamento social. Mais importante, caso as medidas de restrição sejam abrandadas antes do controle da taxa de letalidade e os Estados não tenham planejamento para reabrir a economia, a estratégia de saída do isolamento social pode ter consequências mais danosas.

No campo da política econômica, o conjunto de medidas anunciadas por Banco Central e Ministério da Economia vai na direção correta da resposta necessária para lidar com os impactos da pandemia. Além de mobilizar recursos para a área de saúde, direcionar estímulos fiscais para apoiar a população mais vulnerável e criar mecanismos para proteger empregos e ajudar as empresas, houve rápida atuação para garantir liquidez ao sistema bancário e evitar disfuncionalidade do mercado. As maiores dúvidas a respeito destas ações, porém, recaem na eficiência destes instrumentos.

Em relação às medidas fiscais, por exemplo, fora a viabilização rápida da operacionalização do auxílio emergencial, não há clareza sobre a capacidade do programa de atingir os  trabalhadores informais e autônomos e compensar parte importante da queda da renda destes brasileiros. Pelo lado do crédito, para evitar falência de pequenas empresas, a ampliação das linhas com garantias do Tesouro em parceria com bancos privados pode ser necessária com foco maior entre as micro e pequenas e com extensão para linhas de capital de giro.

Esses desafios, contudo, não são exclusivos do Brasil. Todos os países atravessarão dificuldades para sair do isolamento social e discutirão constantemente se os estímulos anunciados são suficientes para evitar perdas econômicas permanentes. A grande diferença para o Brasil é que não temos espaço para cometer erros nesta travessia. Com crescimento frustrante ao longo dos últimos anos e nível de dívida bruta alto e superior à média de outros países emergentes, a resposta brasileira à crise deve incluir as medidas de emergência para apoiar a atividade econômica, mas também deve combinar iniciativas para trazer confiança e preservar a estabilidade fiscal de longo prazo. Com piora inevitável da taxa de desemprego e da situação financeira das empresas, a maior contribuição a uma recuperação mais rápida é a manutenção do comprometimento com o ajuste fiscal.

É imprescindível que em momentos de emergência como o atual não ocorra oportunismo fiscal e que as medidas já anunciadas sejam transitórias, sem tornarem-se gastos recorrentes e colocarem em xeque o teto dos gastos nos próximos anos. Adicionalmente, a agenda de reformas deve ser retomada rapidamente, com endereçamento das discussões sobre reformas administrativa e tributária, votação do novo marco legal do saneamento e aceleração da agenda de privatização e concessão. Neste contexto, é preciso que ocorra melhora considerável do cenário político, com redução dos atritos entre Poderes e maior atuação do governo para liderar as pautas prioritárias no Congresso.

A continuidade do comprometimento com o ajuste fiscal é preponderante para garantir mudança na trajetória da relação dívida/PIB, permitir manutenção dos juros em baixo patamar por longo período e, consequentemente, reduzir as incertezas para contribuir para uma retomada mais rápida. A responsabilidade fiscal, as reformas e a perspectiva de recuperação mais rápida do crescimento contribuem para o Brasil atravessar o cenário global desafiador para economias emergentes.

Os próximos meses serão a prova do tão aguardado teste de responsabilidade fiscal do Brasil. Se bem-sucedido, o legado da crise será maturidade para sair desta dura recessão com mais rapidez e credibilidade.

Marcela Rocha é economista-chefe da Claritas Investimentos
E-mail: comunicacao@claritas.com.br

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.