Por Guilherme Tinoco – Valor Econômico

02/04/2019 – 05:00

Quatro anos se passaram desde que a agenda do ajuste fiscal começou a ser implementada, mas o fato é que até hoje não fomos capazes de superá-la. O cumprimento do teto de gastos ainda depende de várias reformas estruturais e, enquanto elas não acontecem, a trajetória de dívida pública continua a se mostrar crescente ao longo dos próximos anos.

Em meio a tantas propostas, dentre as quais a reforma da previdência é sem dúvida a principal, muitas vezes se defende genericamente o corte em subsídios. Apesar disso, existe uma grande imprecisão no uso deste termo, uma vez que, para as contas federais, existem ao menos três tipos de subsídios, cada um com suas particularidades específicas.

Dessa maneira, esclarecer os diferentes conceitos relacionados a subsídios se torna importante para qualificar o debate sobre contas públicas e ajuste fiscal. Esse artigo busca cumprir esse objetivo.

Para as contas do governo federal, existem três categorias de subsídios: (i) subsídios explícitos, (ii) subsídios implícitos e (iii) gastos tributários. Falamos de cada um deles a seguir.

Os subsídios explícitos consistem em gastos primários da União, isto é, despesas de fato. A maior parte desses subsídios é computada na rubrica Subsídios, Subvenções e Proagro, no resultado do Tesouro Nacional, e totalizou R$ 15,3 bilhões em 2018. Seus principais componentes são políticas e programas do setor agropecuário, como o Pronaf, e o PSI (equalização das taxas de juros).

Vale notar, contudo, que, no caso do PSI, o programa já se encerrou há algum tempo e, por isso, a despesas decrescem rapidamente (elas convergirão para zero assim que os últimos empréstimos por meio do programa se encerrarem). As despesas com o Pronaf também seguem em queda acelerada. Uma das razões que explicam a redução de itens na conta de subsídios explícitos é justamente a manutenção da taxa de juros em patamares moderados, aliviando a despesa com equalização de juros.

Como resultado, a conta total, baseando-se na rubrica do Tesouro mencionada acima, segue caindo. A redução real observada em 2018 foi de 20,9% em relação a 2017, ano que já tinha se reduzido 23,3% em relação a 2016. Apesar do orçamento de 2019 indicar elevação das despesas esse ano, é possível que a gente observe novamente uma queda real, em linha com os dados já divulgados para janeiro.

Já os subsídios implícitos são relacionados a programas oficiais de crédito e normalmente são associados a taxas de juros subsidiadas. Como seu valor é obtido através da comparação da taxa de juros, não há uma despesa primária e, portanto, seus montantes não aparecem nos balanço primário, não afetando o teto de gasto, por exemplo. Apesar disso, aparecem na conta de juros nominais, afetando o resultado nominal do governo.

Em 2017, último ano com estimativas disponíveis, os subsídios implícitos totalizaram R$ 59,7 bilhões, segundo estimativas do Ministério da Fazenda. Os maiores componentes foram empréstimos da União ao BNDES (R$ 15,7 bilhões), FAT (R$ 15,1 bilhões), Fundos Constitucionais de Financiamento (R$ 13,4 bilhões) e FIES (R$ 7,6 bilhões).

Em relação a 2016, a queda total foi de quase 30%. Um fator para explicar essa redução foi a diminuição da Selic, aproximando as taxas de juros de mercado das taxas de cada uma dessas modalidades. Outro fator importante diz respeito à devolução de recursos do BNDES para o Tesouro, movimento que teve continuidade em 2018 e, portanto, irá contribuir para a manutenção da trajetória de queda na conta de subsídios implícitos nos próximos anos. Para frente, a criação da TLP, que embora não se aplique a todas as modalidades, contribuirá também para a diminuição de gasto com subsídios implícitos.

Por fim, temos os gastos tributários, que consistem nas receitas que o governo deixa de arrecadar em razão de benefícios e isenções que são concedidos por meio de políticas e programas. Também são conhecidas como renúncias fiscais ou desonerações.

Segundo estimativas do Ministério da Fazenda, a conta chegou a R$ 270 bilhões em 2017. As principais modalidades do benefício consistem no Simples (R$ 75,6 bilhões), Rendimentos isentos e não tributáveis do IRPF (R$ 28 bilhões), Desoneração da cesta básica, (R$ 23,8 bilhões), Zona Franca de Manaus e áreas de livre comércio (R$ 21,6 bilhões) e Entidades sem fins lucrativos (R$ 17,5 bilhões). Outra conta importante nos últimos anos foi a Desoneração da Folha. Esta, contudo, cai rapidamente, após seguidas alterações na política, que se encerrará em 2021.

O montante de gastos tributários segue mais ou menos constante em percentual do PIB desde 2013, quando oscilou entre 4% e 4,5% do PIB. Vale notar, contudo, que os valores para gasto tributário são apenas estimativas de quanto de arrecadação é perdida por conta da desoneração. É calculada aplicando a regra normal, sem o benefício, sobre a base tributária existente, o que traz alguns problemas inerentes à dificuldade do cálculo em si, como o fato de não captar a reação dos agentes à retirada da desoneração. Assim, é possível que os valores possam estar superestimados, demandando certa cautela do analista.

Seja como for, podemos sumarizar o que foi exposto em um quadro geral. Os subsídios explícitos e os subsídios implícitos, que impactam mais o lado do gasto (primário ou nominal), já estão em tendência de queda, em função de decisões tomadas nos últimos anos (e também em virtude da queda da Selic desde 2016). O volume de gastos tributários, por sua vez, que responde pela maior fatia do “gasto com subsídios”, segue mais ou menos estável. Não há perspectiva de queda substancial no curto prazo, uma vez que as regras que regem suas modalidades seguem sem grandes alterações.

Esclarecidos os tipos de subsídios existentes nas contas do governo federal, o debate pode ficar mais claro. Quando falarem em corte de subsídios, é importante indicar a qual conta estamos nos referindo. Vale ressaltar, contudo, que tão importante quanto ajustar a despesa, no geral, e os subsídios, em particular, é alterá-los baseando-se em avaliações de custo-benefício.

Preservar aquilo com maior impacto, seja em termos de eficiência, seja em aspectos sociais, é crucial. Para o restante, o ajuste pode avançar.

Guilherme Tinoco é mestre em economia pela Universidade de São Paulo.