Valor Econômico
21/11/2019

Por Alexandre Póvoa

Falta o investidor institucional e o estrangeiro acreditarem no potencial do mercado e essa onda de pessoas físicas continuar

Quando o retorno de renda fixa cair no Brasil, haverá uma megatransferência de recursos para renda variável. Desde que eu comecei minha carreira no mercado financeiro (e lá se vão 30 anos), essa foi uma frase recorrente colocada nas apresentações para clientes por parte dos gestores para convencê-los a comprar ações.

 Pois bem, hoje, com o juro real abaixo de 1%, o que está acontecendo? O discurso comum e de bom senso de todos os analistas era que a alta de bolsa era inexorável a partir de uma queda do juro real. Os números mostram um pouco dessa realidade, mas talvez não na magnitude esperada.

Na gestão Ilan Goldfajn, a Selic saiu de 14,25% ao ano, em outubro de 2016, para 6,5% ao ano em março de 2018. Concomitantemente, o juro real (medido pelo swap de 12 meses versus a inflação anual projetada) saiu de 7% para 3,5% anuais. Nesse período, o Ibovespa experimentou uma valorização de 59 mil para 85 mil pontos (44% de alta). Já no processo de afrouxamento monetário, produzido até agora por Roberto Campos Neto, a taxa Selic saiu de 6,5% (julho de 2019) para 5% ao ano (outubro de 2019) e o juro real chegou a inédito 0,8%. Nesse período, o Ibovespa avançou somente 7%. Enfim, nesse período de tempo, todo esse processo de afrouxamento monetário (14,25% para 5% ao ano) levou o Ibovespa a subir 85% em três anos. É muito?

Observando os dados relativos aos fundos de investimento, esse momento de realocação maciça de recursos para renda variável, na verdade, nunca ocorreu. Dados da Anbima mostram que apenas 8% dos R$ 5,2 trilhões do patrimônio de fundos de investimentos estão aplicados em produtos de renda variável. A participação mínima (5%) ocorreu durante o governo Dilma Roussef. Nos EUA, esse mesmo percentual é de 55%, enquanto na Europa é atingido o patamar de 30% do total da indústria de fundos investidos em produtos de ações.

Com patrimônio total de R$ 950 bilhões, segundo dados da Abrapp, os fundos de pensão detinham 29% de seus recursos investidos em renda variável em 2012 e viram esse número cair para os atuais 18% (nível estacionado há cinco anos). Os grandes fundos de pensão têm reduzido as posições em ações, enquanto os pequenos e médios têm aumentado.

Já os investidores estrangeiros colocaram R$ 25 bilhões em dois IPOs e 22 “follow-ons” em 2019, mas retiraram R$ 30 bilhões do mercado secundário, ficando com um saldo líquido negativo de R$ 5 bilhões neste ano. Aliás, definitivamente, os estrangeiros não estão vendo atratividade no país nesse momento. A saída de recursos de bolsa é prima da ausência de dinheiro externo no megaleilão do pré-sal. Resta analisarmos o porquê dessa falta de apetite pelo Brasil.

Se as informações anteriores não animam, o único dado que nos traz alento são os 1,5 milhão de CPFs de investidores pessoa física cadastrados na bolsa, quase o dobro relativamente a 2018. Serão as pessoas físicas (já com 20% do volume negociado) a comandar voos mais altos do Ibovespa daqui por diante? Será que o rendimento mensal das aplicações em renda fixa abaixo de 0,5% vai trazer finalmente uma onda de pessoas físicas para a bolsa?

Se, pelo lado da demanda, a situação não é animadora, pelo lado da oferta, temos que avaliar, pela teoria de “valuation”, o que está acontecendo com o Ibovespa. Primeiro, o juro longo (medido pela NTN-B 2055 – o que importa para qualquer exercício de valuation), caiu fortemente de IPCA mais 6% para IPCA mais 3,3% ao ano nos últimos anos. O prêmio de risco, que é proporcional também à queda da taxa de juros de longo prazo (aumento da disposição do investidor à renda variável) certamente também declinou de 6% para 5% ao ano.

Nosso grande problema, no entanto, é o crescimento. Estamos falando para uma taxa de desconto que era de 16% ao ano e que despencou para aproximadamente 12,5% anuais no período de três anos. Considerando um fluxo de caixa médio das empresas brasileiras e um crescimento de longo prazo de 5,5% ao ano (1,5% ao ano real), essa combinação significa um Ibovespa justo muito próximo ao nível atual (5% de “upside”).

Cabe ressaltar que não consideramos o argumento ingênuo de outro mantra que indica que “o P/L [preço pelo lucro] para 2020 do Ibovespa em 13,2 vezes está caro porque está acima da média histórica de 11,8 vezes”. Esta situação é totalmente normal e deveria já ser esperada pelos analistas, dada a menor taxa de desconto prevalente no Brasil relativamente ao passado, quando essa média foi construída.

Falta o investidor institucional e o estrangeiro acreditarem no potencial do mercado e essa onda de pessoas físicas continuar. O juro real abaixo de 1% já é mais do que suficiente para quebrar o conservadorismo.

Por outro lado, nosso dever de casa é que precisamos de indicações de crescimento mais forte para que a confiança em bolsa seja retomada no Brasil. Esse é o calcanhar de aquiles para que o mercado de ações ganhe um gás de alta. Se substituirmos o crescimento nominal de 5,5% para 7% ao ano (crescimento médio de longo prazo de 3% reais), o potencial de alta do Ibovespa, pelo modelo, sobe para 35%.

Resumindo, duas conclusões: pelo lado da demanda, o mantra que prega uma megatransferência de recursos da renda fixa para variável está demorando a se concretizar (mas irá, inexoravelmente, acontecer se as atuais condições forem mantidas); e, pelo lado da oferta, o aumento de potencial de alta das ações brasileiras hoje depende menos de redução de risco (taxa de desconto, que já aconteceu) e muito mais de elevação da taxa de crescimento projetada da economia e, por conseguinte, do lucro das empresas, para descomprimir os preços das ações no Brasil.