Valor Econômico
24/01/2020

Por Edson Cruz

Fora das estruturas dos bancos tradicionais, empréstimos

O mercado de empréstimos para empresas tem sofrido grandes mudanças, que vêm se intensificando nos últimos anos e ainda não são tão perceptíveis para a maioria das pessoas

Atualmente, o Brasil possui 133 bancos múltiplos, 21 comerciais e 12 de investimentos. Somam-se a este contingente, as cooperativas de crédito – são cerca de 1.100 com um “market share” de 4,63% em crédito -, totalizando um pouco mais de 1.250 instituições segundo o Banco Central.

Encolhimento do BNDES levou os juros cobrados para um patamar competitivo com o mercado

É um número ínfimo para a nona maior economia mundial. Nos EUA, por exemplo, são cerca de 12.000 instituições dedicadas ao crédito.

Hoje, existe uma grande concentração de créditos de pessoas jurídicas junto aos principais bancos do país. Cerca de 85% de todo o volume de crédito, ou seja, R$ 2,4 trilhões estão com o Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Santander, segundo dados divulgados em outubro de 2019 pelo BC.

Eventos recentes na história do crédito trouxeram a democratização para o mercado, além de um pouco mais de agilidade, e, mesmo que timidamente, reduziram-se os custos dos empréstimos para a pessoa jurídica. Um deles foi a criação da alienação fiduciária que possibilitou que a eventual retomada de um imóvel – em caso de “default” durante uma operação de crédito – reduzisse de 2 a 3 anos nos casos de hipoteca, para algo em torno de trinta dias em situações nas quais há a garantia de alienação.

Outro ponto importante é a constante redução de juros promovida pelo Banco Central ao longo dos últimos anos e a manutenção da política de juros mais baixos. Hoje em dia, estamos com uma taxa de 4,5% ao ano, sendo que há quem indique que em 2020 ela ainda ceda mais um pouco.

A redução dos juros encontra o outro lado, investidores ávidos por uma melhor remuneração para os seus investimentos. Isto faz com que o mercado de renda variável sobressaia. O que pode ser comprovado por números recentes que revelam que mais de 1 milhão de pessoas físicas estão comprando ações atualmente. Somado a este contingente, temos os investidores que preferem papéis com menor volatilidade, mas que ainda buscam uma melhor rentabilidade. Neste cenário, encontramos um aumento de CRI, CRA e debêntures no portfólio dos investidores.

Outro ponto muito relevante, é o encolhimento do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) com as mudanças ocorridas na política de crédito, que levou os juros cobrados para um patamar competitivo com o mercado.

A junção destes temas, faz surgir um movimento que já começa a tomar corpo. Se por um lado já temos cerca de 85 fintechs de crédito operando no país, em paralelo lidamos com os mais de R$ 199 bilhões em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCS), – conforme dados divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Ambima) em novembro de 2019 – além dos fundos imobiliários, com um volume de mais de R$ 103 bilhões, e mais uma infinidade de categorias de fundos com propósitos específicos.

Confirmando esta tendência, um outro ponto chama a nossa atenção. O Brasil tem hoje mais de 2.000 plataformas financeiras registradas como Agentes Autônomos de Investimento (AAIs) e correspondentes bancários. Somente a empresa XP Investimentos chegou ao número de mais de 660 escritórios no país. Deste total, alguns escritórios já se organizaram para assessorar os clientes do tipo pessoa jurídica, especificamente, aqueles com um faturamento entre R$ 50 a R$ 750 milhões por ano, na liberação de operações de crédito. A ideia é aproveitar os diversos fundos oferecidos pela XP para acomodar os créditos que serão liberados para os clientes PJ.

Este movimento que citamos anteriormente, é o que chamamos de disrupção do mercado de empréstimos para empresas. A tendência é que, fora das estruturas pesadas dos bancos tradicionais – que contam com um grande número de agências e seus respectivos custos, e ainda necessitam da colocação de produtos diversos, etc -, os empréstimos chegarão às empresas com um menor número de intermediadores e um custo mais competitivo do que o atual, democratizando a relação existente entre o mercado tomador e o doador de crédito.

Temos também uma nova geração de gerentes e diretores financeiros nas empresas, que estão em uma fase de consolidação de suas carreiras dentro desse processo de mudança do mercado, o que pode contribuir para a ratificação desta disrupção.

Outro ponto relevante nestas plataformas, é o de que as mesmas também possuem condições de estruturar dívidas de forma mais direcionada para a real necessidade dos tomadores e com menores custos. Elas ainda podem proporcionar a distribuição para os seus clientes private, que estão na expectativa de uma melhor remuneração de seus investimentos e de também contar com a proximidade dos tomadores.

No entanto, temos que levar em consideração a forma como os proprietários – que em sua maioria são do mercado varejista – gerenciam seus departamentos de contabilidade. Há ainda uma necessidade dessas empresas se adaptarem a um critério de aceitação do mercado. Balanços auditados por grandes auditorias, as BIG4 e mais uma ou duas empresas da área – que sejam consideradas grandes e consistentes -, são exigências do mercado na hora de analisar o crédito. Isto porque, neste modelo de aceitação de tomada de riscos pelos investidores, as emissões de dívidas, ou seja, debêntures, CRI e CRA, tenderão a crescer, acompanhando a evolução e apetite pelo mercado de ações.

Todos os pontos abordados não esgotam o tema, visto que vivemos em um tempo em que decisões e mudanças são constantes e em grande velocidade, porém, o processo de mudança no mercado de empréstimos para as empresas é uma realidade. Resta agora a tração para adquirir a velocidade necessária e ansiada. Obviamente, os bancos estão atentos a este movimento e farão de tudo para manter o seu “market share”. No final das contas, tanto o tomador quanto o doador ganham.