Valor Econômico
07/11/2019

A tramitação das propostas de reforma tributária sofreu, recentemente, um processo de desaceleração, o que sugere não ser esta, ao menos no momento, uma das prioridades do governo federal, ainda que ele próprio tenha anunciado que apresentará a sua proposta, cujo texto ainda não está concluído. Assim, certamente esse tema não será definido este ano.

As referidas propostas, sobretudo as PECs 110 e 45, têm como principal escopo a simplificação e a racionalização do sistema tributário, com a unificação dos tributos, os quais serão substituídos por um imposto único, incidente sobre as operações com bens e serviços. Além disso, entre outras medidas, ambas as propostas estabelecem o fim dos incentivos e benefícios fiscais.

A PEC 110, no entanto, excetua da referida regra os medicamentos; os alimentos, inclusive os destinados ao consumo de animais; o transporte público, urbano e coletivo de passageiros; o saneamento básico; os bens do ativo imobilizado; e a educação em todos os níveis, inclusive a profissional.

Já a PEC 45 veda, de forma absoluta, a concessão de incentivos e benefícios fiscais, prevendo a devolução do imposto suportado pelos consumidores de baixo poder aquisitivo, por meio de mecanismos de transferência de renda.

Nesse aspecto, penso que a PEC 110 é mais positiva do que a PEC 45, pois preserva a justiça fiscal ao desonerar itens que são essenciais para a dignidade da pessoa humana. De fato, a legislação brasileira contempla incentivos e benefícios fiscais em excesso, os quais podem ser anti-isonômicos e resultar em redução significativa da arrecadação, o que leva ao comprometimento do equilíbrio orçamentário. Além disso, esses incentivos e benefícios incrementam os níveis de regressividade da tributação e desencadeiam a guerra fiscal.

Por outro lado, a redução da carga tributária é essencial ao desenvolvimento da economia e à realização da justiça social, pois torna produtos e serviços essenciais à sobrevivência com dignidade acessíveis à população de baixa renda.

Não se pode ignorar que o Brasil ostenta elevados índices de pobreza e miserabilidade e que, a par de financiar as instituições democráticas, a tributação é um instrumento poderoso e eficiente para se realizar justiça social. Também é certo que, se por um lado a tributação pode incrementar o desenvolvimento do país, por outro, quando excessiva, desestimula o empreendedorismo e elimina importantes agentes da atividade econômica.

Sendo o IBS um imposto indireto, suportado por consumidores finais, a eliminação absoluta dos benefícios fiscais, tal como proposto pela PEC 45, poderá gerar efeitos perversos para as famílias de baixo poder aquisitivo, as quais suportarão uma carga tributária maior do que aquela à qual estão sujeitas hoje, especialmente quanto aos produtos essenciais à sobrevivência, entre os quais se inserem alimentos da cesta básica e medicamentos.

 Para reduzir tais efeitos, o § 9º do art. 152-A da PEC 45, apenas aparentemente, cria uma exceção à vedação da concessão de incentivos e benefícios fiscais, ao estabelecer que: “Excetua-se do disposto no inciso IV do § 1º a devolução parcial, através de mecanismos de transferência de renda, do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda, nos termos da lei complementar referida no caput”.

Tal regra, certamente, não excepciona a vedação em questão, como induz a crer a sua redação, apenas prevê que o imposto efetivamente pago pelo contribuinte de baixa renda seja devolvido por meio de mecanismos de transferência de renda.

É certo que a criação de tais mecanismos é uma medida de índole política, sujeita à decisão subjetiva de gestores públicos e à viabilidade orçamentária. Portanto, a proposta não neutraliza os efeitos da oneração dos produtos essenciais.

Os incentivos fiscais, ou seja, aqueles que dependem de uma contrapartida do contribuinte, não precisam ser extirpados do sistema.

Por outro lado, os benefícios fiscais relativos aos produtos e serviços essenciais devem ser mantidos para que a tributação esteja harmônica com o catálogo de direitos e garantias individuais. Quanto aos demais, aqueles não relacionados às necessidades básicas do contribuinte, sua manutenção é necessária para a readequação da carga tributária e como estímulo à atividade econômica, desde que sejam concedidos por prazo certo e sujeitos a avaliações periódicas quanto à efetividade.

A reforma tributária é necessária, mas alguns pontos devem ser amadurecidos e aperfeiçoados antes da sua aprovação; entre eles, além da questão afeta às isenções, estão a integridade do pacto federativo e a autonomia financeira dos entes políticos, sobretudo a dos municípios, já que estes serão os mais prejudicados na participação da receita do imposto único que incidirá sobre o consumo.