Estadão
12/12/2019

Por Anne Warth e Amanda Pupo

Legislação atual impõe uma série de barreiras para que companhias passem por um processo de desestatização, e a principal delas é a extinção automática dos contratos de prestação de serviço vigentes quando há perda do controle acionário

BRASÍLIA – O novo marco regulatório do saneamento tem como maior objetivo ampliar o acesso da população aos serviços de água e esgoto, e a lei dá o caminho para que haja uma onda de privatizações de empresas estatais. Juntas, as 22 estatais valem, hoje, R$ 140 bilhões, segundo o Ministério da Economia.

O texto-base foi aprovado nesta quarta-feira, 11, pelo plenário da Câmara e deve seguir para o Senado assim que for concluída a votação dos chamados destaques (sugestões de alterações).

Para o governo, a meta de universalização desses serviços básicos até 2033 não será cumprida sem participação privada – hoje, presente em apenas 6% das cidades brasileiras.

As maiores

 Ministério da Economia estima que a venda de 100% das companhias estaduais renderia R$ 140 bilhões

 

 

 

 

 

* Valores descontam parcela já vendida da Copa, Sabesp e Sanepar

Fonte: Ministério da Economia

 

Atualmente, pouco mais de um terço dos brasileiros vive em domicílios sem coleta de esgoto e 15% da população não é atendida com abastecimento de água. A estimativa é que a universalização demande investimentos de R$ 600 bilhões a R$ 700 bilhões.

O novo marco também é uma tentativa de organizar um setor que tem regulação fragmentada. A titularidade dos serviços de saneamento é dos municípios. A maioria das empresas públicas que atuam na área pertence aos governos estaduais. Há pelo menos 52 entidades reguladoras que cobrem os serviços de saneamento em cerca de três mil cidades, mas 48% dos municípios não possuem nenhum tipo de regulação.

Já o financiamento dos investimentos é federal, dominado pelos bancos públicos Caixa e BNDES, com prazos de até 34 anos e garantias asseguradas pelos próprios ativos ou recebíveis.

Com o novo marco regulatório, os Estados poderão privatizar suas estatais de forma facilitada. A legislação atual impõe uma série de barreiras para que essas companhias passem por um processo de desestatização, e a principal delas é a extinção automática dos contratos de prestação de serviço vigentes quando há perda do controle acionário.

 O novo marco possibilita que os contratos em vigor continuem a valer – o que eleva o valor de mercado das companhias. Hoje, apenas três empresas têm capital aberto na bolsa – Copasa (MG), Sanepar (PR) e Sabesp (SP). Em todos os casos, para não perder os contratos, os governos venderam fatias, mas mantiveram o controle das empresas. Pela nova lei, se quiserem, os Estados poderão vender 100% de suas ações.

Em crise, os Estados têm tido dificuldades para pagar o funcionalismo público, o que têm reduzido o volume de investimentos necessários para ampliar a cobertura dos serviços de saneamento. E as ineficiências do setor público têm prevalecido. Em 2017, por exemplo, mais da metade (51,2%) da receita dessas empresas foi utilizada para pagar salários, enquanto os investimentos foram apenas 16,6% do total.

Com o novo marco, quando decidirem “delegar” o serviço de saneamento ou quando o contrato com uma estatal estadual vencer, o município deverá, obrigatoriamente, realizar uma licitação para contratar uma empresa para fornecer o serviço de água e esgoto. Pela legislação atual, a maioria (70%) fecha contratos diretamente com as estatais estaduais, sem licitação.

Com a concorrência pública, poderão se candidatar para prestar o serviço em um município ou em um conjunto deles, além da estatal estadual, empresas privadas que já atuam no setor e novas companhias que se interessarem em entrar no mercado. A presença de grandes empresas como a BRK Ambiental, Aegea e GS Inima no País é prova disso. Hoje, o setor privado já atua nos poucos municípios que fizeram licitações.

Diversos aspectos favorecem a entrada do setor privado no saneamento básico. Além da obrigação dos municípios de realizar licitação, o momento econômico que o País vive, com queda da taxa básica de juros em 4,5% ao ano, favorece a entrada do setor privado nesse tipo de investimento. A taxa interna de retorno do saneamento é de 9,5% ao ano, o que desmonta alegações de que o setor é economicamente inviável e demanda a presença de empresas públicas.

Tarifas

O texto também institui a Agência Nacional de Águas (ANA) como órgão formulador de diretrizes regulatórias para o setor, inclusive com a metodologia para definição das tarifas pagas pelos consumidores. A ideia é centralizar na ANA a edição de “normas de referência” para serem adotadas pelas agências reguladoras estaduais, municipais e empresas do setor.

No Congresso, a discussão sobre privatizações sempre é polêmica, principalmente devido à resistência política de governadores e ao temor de aumento das tarifas para consumidores. A preocupação, no entanto, não encontra respaldo em indicadores. As tarifas das empresas privadas são também muito semelhantes às cobradas pelas estatais, segundo a associação do setor, a Abcon – R$ 3,75 por metro cúbico nas privadas e R$ 3,64 por metro cúbico nas estatais.

Outro estudo do Ministério da Economia divulgado mostrou que, entre 2010 e 2017, 15 das 25 empresas estaduais de saneamento aumentaram as tarifas acima da inflação, mas realizaram investimentos médios de R$ 7,4 bilhões por ano – abaixo dos R$ 20 bilhões anuais mínimos estipulados pelo Plano Nacional de Saneamento Básico.