Valor Econômico

Por Daniel Rittner — De Brasília

04/01/2021 

Nova lei do saneamento mantém pontos abertos

Congresso ainda não emitiu sinal de quando pretende apreciar veto crucial para decisões de investimento

Com quase 6 mil piscinas olímpicas de esgoto in natura lançadas por dia nos mares e rios brasileiros, o novo marco legal do saneamento básico foi celebrado como um dos maiores avanços da infraestrutura em 2020. No entanto, o veto surpreendente de um dispositivo da lei – sem que o governo tivesse dado qualquer sinalização durante as discussões do projeto – deixou o futuro do setor completamente em aberto.

No dia 15 de julho, após meses de exaustivas negociações com governadores e no Congresso Nacional para aprovar o texto, saiu o veto à possibilidade de renovação por 30 anos dos contratos de programa das prefeituras com companhias estaduais de água e esgoto. Mesmo com outro trecho da lei exigindo a universalização dos serviços até 2033 e a obrigatoriedade das estatais de comprovar capacidade econômico financeira para fazer esses investimentos, a alegação do Palácio do Planalto foi de que isso seria prolongar o cenário atual por tempo demais.

Independentemente das razões, hoje o quadro é de indefinição. Cinco meses e meio depois, o Congresso ainda não deu sinais de quando apreciará esse veto, que definirá o grau de abertura do setor nos próximos anos. A regulamentação do que será a capacidade econômico-financeira das estatais – um sarrafo mais alto ou menos alto há 3 horas Brasil para companhias com pretensões de renovar seus contratos – deveria ter saído 90 dias após a lei. Está sem perspectivas.

“A falta de análise dos vetos traz grande insegurança”, afirma o diretor-geral da Arsae (agência reguladora dos serviços de água e esgoto em Minas Gerais), Antônio Claret Júnior. Ele se diz pessoalmente favorável à ideia de impedir a renovação dos contratos de programa por 30 anos, entendendo que mais concorrência e a entrada mais rápida de investidores privados acelerariam o movimento de transformação no saneamento básico, mas pondera que a demora na análise dos vetos comprometerá novas licitações.

“Não tenho a menor dúvida de que é um problema. Se a gente fizer uma licitação hoje, a estatal que detinha o contrato provavelmente irá à Justiça e acho que conseguiria uma liminar travando tudo. Ela pode alegar que tem expectativa de direito sobre a renovação e o veto não foi analisado.”

Segundo ele, muitos prefeitos de municípios sem contratos válidos – mas com operação feita pela estatal mineira Copasa em caráter precário – procuram a Arsae em busca de orientações. “Olha que situação desagradável: ele não pode fazer outro contrato de programa, porque o novo marco legal já não permite, mas a licitação pode perfeitamente ser barrada pelos tribunais”, afirma Claret.

Dados recém-compilados pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon) indicam que 888 municípios estão no limbo, sem contratos válidos. “Entendemos que os vetos presidenciais foram acertados tecnicamente, mas a indefinição é o pior dos mundos. Uma regra clara é sempre essencial”, diz Percy Soares, presidente da associação. “O Congresso precisa votar logo os vetos e o governo precisa soltar todos os decretos.”

Pelo menos duas ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF) contestam pontos da Lei 14.026. Em meio às incertezas, concessões de saneamento em localidades como Erechim (RS) e Petrolina (PE) foram suspensas por decisões judiciais ou cautelares de tribunais de contas. A esperança do governo é que outros processos em curso, como a privatização da Cedae no Rio e a concessão do saneamento no Amapá, não sejam afetados porque independem da nova lei.