Valor Econômico

13/01/2021

Por Nilson Teixeira*

Não estamos quebrados, mas perdidos

O Brasil precisa do empenho do governo e das lideranças em fazer ajustes e reformas

A fala do presidente Bolsonaro de que o Brasil está quebrado e de que ele não consegue fazer nada em termos de alocação de recursos repercutiu muito. Apesar de reconhecer que a situação econômica e fiscal embute riscos relevantes, discordo do comentário, pois julgo que há muito a ser feito.

O Brasil avançou em várias frentes nos últimos 40 anos, tais como: a construção de uma democracia sólida; um Congresso e um Judiciário independentes e capazes de evitar equívocos do Executivo; a universalização do atendimento gratuito no sistema público de saúde – quase três bilhões de atendimentos anuais desde procedimentos ambulatoriais até cirurgias de alta complexidade; a estabilização econômica – com inflação baixa e estabilidade monetária; e a modernização do setor de commodities, com o país tornando-se um dos maiores exportadores de produtos agropecuários e minerais.

O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo e das lideranças em fazer ajustes e reformas

Todavia, não é possível festejar essas conquistas, pois vários países com estágios de desenvolvimento mais atrasados no fim dos anos 1970 avançaram muito mais. Cerca de 60% da população brasileira nasceu depois do início da década de 1980 e não viveu os anos de crescimento pujante. O crescimento médio do PIB desde então foi inferior a 2,5% ao ano, com uma expansão per capita muito reduzida.

As distorções domésticas são vergonhosas. Enquanto uma parte diminuta da sociedade vive em condições compatíveis às dos países desenvolvidos, a maior parcela vive as agruras do há 4 horas subdesenvolvimento, com elevada deficiência nos sistemas, por exemplo, de educação – quase 50% dos brasileiros com 25 anos ou mais têm, no máximo, ensino fundamental completo – e de saneamento – 30% dos domicílios não têm rede geral nem fossa séptica.

O destaque negativo continua sendo a baixa qualidade do ensino, refletindo a pouca relevância atribuída ao tema por parte da sociedade. A inoperância do Ministério da Educação (MEC) durante a pandemia comprova a inépcia operacional dos seus dirigentes. Apesar de não ter responsabilidade direta pela gestão do ensino básico, o MEC tinha por obrigação propor ações para minimizar os custos da ausência de aulas presenciais para crianças e jovens e do pouco ou nenhum acesso ao aprendizado remoto pelos alunos das escolas públicas.

A perda de um ano de aprendizado prejudicará a produtividade da mão de obra nos próximos muitos anos. O aumento do capital humano será fundamental para o crescimento do país a partir de agora, pois o bônus demográfico – aumento da força de trabalho – está praticamente exaurido. Não consigo desenhar um ciclo de forte expansão dos investimentos no longo prazo, mesmo com um ambiente favorável de juros baixos, sem que haja um maior foco no ensino básico – infantil, fundamental e médio.

O atual governo carece de um planejamento mínimo e de uma capacidade de negociação para construção de uma estratégia de convencimento da sociedade. Mesmo com um diagnóstico correto, a área econômica enfrenta grande dificuldade para operacionalização das suas propostas. Em parte, isso se deve à indefinição do governo sobre suas prioridades, fora a retrógrada agenda dos costumes e a equivocada demanda pelo voto impresso. À luz da atuação do Ministério da Saúde, que parece reagir apenas às repercussões na mídia e ao embate com o governo de São Paulo, o combate à pandemia não parece ser uma prioridade.

Apesar da relevância de uma reforma administrativa, a opção do governo e da maioria dos líderes partidários de não incluir os atuais servidores civis e militares na atual proposta torna pouco útil sua tramitação para efeito da melhoria das contas públicas nesta década. Assim, a busca pela aprovação no Congresso de uma reforma tributária seria uma melhor alternativa.

Os últimos governos não foram capazes de organizar um debate profundo sobre uma reforma ampla desse código. Isso facilitou a proliferação de alterações que distorceram ainda mais o sistema de impostos, visando, por exemplo, a proteção da indústria nacional. Essas intervenções prejudicam a utilização eficiente dos recursos domésticos escassos, privando os consumidores do acesso a produtos de melhor qualidade e mais baratos. Ao tornar o sistema tributário extremamente complexo, o oferecimento desorganizado de subsídios e abatimentos fiscais nas últimas décadas gerou um enorme número de pendências jurídicas e de custos fiscais inacreditáveis, traduzidos pela ampliação dos valores e do número de precatórios.

Passados mais de dois anos de mandato, o atual governo também não foi capaz de apresentar uma proposta de reforma tributária completa. O governo encaminhou para o Congresso apenas uma primeira fase dessa proposta em meados de 2020, com a garantia de que logo enviaria as demais. Isso ainda não ocorreu. Fora a cansativa cantilena, não houve nenhum esforço consistente de convencimento dos parlamentares. Em um cenário em que todos são a favor da reforma, mas contra revisões que reduzam seus privilégios tributários, essa dinâmica não é alentadora, como comprovado pela reação de alguns setores contra o recente anúncio do governo de São Paulo sobre a redução de incentivos fiscais.

Apesar de não estar quebrado, o país tampouco está uma maravilha. A esperança dos brasileiros é de que um ou dois governos inertes não alteram as perspectivas de longo prazo de um país. Não será apenas uma ou duas décadas que mudarão os desígnios do Brasil. Todavia, 40 anos de expansão do PIB muito inferior à média dos demais países emergentes deixam muitas marcas, ainda mais quando os próximos anos não parecem auspiciosos.

O país parece perdido no atual ambiente de picuinhas políticas, de embates entre os representantes dos três poderes, do suposto excessivo foco do presidente nas eleições de 2022 e da falta de uma agenda que seja mais do que discursos cada vez mais vazios. O Brasil não precisa de milagres, mas sim do empenho do governo e das lideranças políticas visando a aprovação no Congresso de um conjunto sólido de ajustes e reformas em 2021 e 2022. Pensando bem, isso seria quase um milagre.

* Nilson Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, escreve quinzenalmente neste espaço.