Valor Econômico
19/11/2019

Por Amanda Schutze*

Estimular as fontes renováveis não requer que consumidores que não têm painéis solares subsidiem quem tem

O Brasil tem um potencial único em relação às fontes alternativas de energia, como solar e eólica. Nossos recursos renováveis são abundantes, diversificados e estão espalhados por todo o país. Para aumentar a participação de fontes renováveis na matriz elétrica e contribuir para a redução das emissões de gases de efeito estufa, é crucial que o país busque opções que sejam mais eficientes e socialmente justas.

Nos últimos anos, por meio de incentivo governamental, essas fontes apresentaram um grande crescimento, trazendo mudanças ao sistema elétrico. Por isso, faz-se necessário atualizar o desenho regulatório. Um dos aspectos que está sendo discutido é a revisão, proposta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), da Resolução Normativa 482/2012, que estipula as regras para as unidades consumidoras que geram sua própria energia. A ideia é que o crescimento futuro desse mercado não deve ocorrer às custas dos demais consumidores que não possuem painéis solares ou outra fonte de geração própria.

Estimular as fontes renováveis não requer que consumidores que não têm painéis solares subsidiem quem tem

Para que os consumidores tenham acesso à energia elétrica, existem três custos: geração, transporte e encargos setoriais. O valor cobrado dos consumidores ligados à rede de baixa tensão – residencial e comercial – depende apenas do volume de energia elétrica consumida. O valor total de transporte e encargos do sistema é dividido por cada kWh consumido, ou seja, quanto mais uma unidade consome, maior é sua participação no rateio deste custo. Os encargos setoriais são tanto os custos inerentes ao modelo de operação adotado pelo setor elétrico quanto os custos para subsidiar as políticas públicas do setor.

O aumento no número de clientes com “geração distribuída”, isto é, produzindo energia em sua própria unidade de consumo, diminui o número de unidades que dividem os custos de transporte e encargos setoriais. Um exemplo de geração distribuída é a geração a partir de painéis solares: de dia, a sobra da energia gerada na unidade consumidora é passada para a rede elétrica; à noite, a rede devolve a energia para a unidade. Portanto, a rede elétrica da distribuidora funciona como uma bateria, armazenando o excedente produzido. Pelas regras existentes, apesar de utilizarem a estrutura do sistema elétrico, as unidades com geração distribuída não arcam com os custos da rede elétrica e com os encargos setoriais que acabam sendo pagos pelos demais consumidores.

Este quadro é o que chamamos de subsídio cruzado, em que um grupo de consumidores paga para que outro grupo tenha acesso a um determinado serviço. Os subsídios são justificados, nesse caso, pelos potenciais benefícios que tal modalidade pode proporcionar ao sistema elétrico. Entre eles, destacam-se o baixo impacto ambiental, a redução das perdas no transporte e a diversificação da matriz elétrica.

Como ainda não há um grande número de unidades com geração distribuída no Brasil, esse subsídio cruzado foi de apenas R$ 205 milhões em 2018, de acordo com a Aneel. Com o rápido avanço deste mercado, entretanto, este subsídio crescerá exponencialmente. Assim, a Aneel tem interagido com a sociedade para definir uma nova regra que faça com que a geração distribuída não transfira custos para os demais consumidores da rede elétrica e continue garantindo o crescimento do mercado de geração distribuída no país. A ideia é que o novo regulamento esteja aprovado dentro do primeiro semestre de 2020.

O debate acerca deste tema tem se intensificado por conta dos diferentes interesses dos agentes envolvidos. Em meio a isso, o Ministério da Economia disponibilizou, em sua página na Internet, uma apresentação que defende a alteração da atual regra, reduzindo o desconto na tarifa para os consumidores que geram sua própria energia. A apresentação mostra também que os encargos setoriais aumentaram 427% entre 2013 e 2018, enquanto a tarifa média total (sem impostos) aumentou 111%. Essa discrepância mostra como os subsídios embutidos na conta de luz aumentaram no período e, portanto, esse tópico também merece atenção e deve ser amplamente discutido.

Dentre os diversos subsídios incluídos na conta de encargos setoriais, os três principais são para os consumidores residenciais de baixa renda, para os consumidores rurais e para os consumidores de fonte incentivada. Esse último é destinado ao grupo de consumidores que opera no mercado livre (indústrias, na maior parte) e contrata energia de fontes incentivadas, como a fonte solar. O seu custo foi de R$ 3 bilhões em 2018, tendo triplicado entre os anos de 2016 e 2018.

O arcabouço institucional brasileiro permite que o setor de fontes renováveis seja fomentado de diferentes formas, e não apenas por meio do subsídio para as unidades com geração distribuída. Um exemplo é o subsídio destinado aos consumidores de fonte incentivada, citado acima. Além desse, ainda podemos citar outros mecanismos de estímulo, como a isenção do ICMS para as unidades com geração distribuída e a realização de leilões específicos para essas fontes alternativas.

Estimular as fontes renováveis no Brasil não requer que consumidores que não têm como instalar painéis solares nas suas casas subsidiem quem tem recurso para tal. É importante alterar a regra de geração distribuída para que essas unidades consumidoras paguem pelos serviços do sistema elétrico de forma proporcional ao custo líquido que impõem ao sistema, ou seja, considerando os custos e benefícios gerados.

 O Brasil deve continuar com o objetivo de aumentar a participação das fontes renováveis alternativas na matriz elétrica, como a fonte solar. Mas existem formas de alcançar esse objetivo que são mais justas socialmente e mais eficientes do que outras. A sociedade espera que o governo opte por essas melhores opções de incentivar o uso de energia limpa no país. O governo também tem o dever de levar essa discussão, de forma clara e ampla, para todos os consumidores de energia elétrica, que munidos com essa informação, podem opinar que tipos e quais subsídios estão dispostos a arcar através da conta de luz.

*Amanda Schutze é coordenadora de pesquisa em energia do Climate Policy Initiative Brazil (CPI)-PUC-Rio, doutora em economia e professora de economia da PUC-Rio