Por Isadora Peron e Cristiano Zaia – Valor Econômico

21/01/2019 – 05:00

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) desistiu de extinguir o Ministério do Meio Ambiente por um lado, mas editou medidas que fizeram a Pasta perder setores importantes e reduzir sua área de atuação em outra frente.

A mudança na estrutura, que tirou do ministro Ricardo Salles órgãos relevantes e redistribuiu temas para outros ministérios, tem sido apontada por analistas e ex-autoridades de governo na área ambiental ouvidos pelo Valor como uma das formas do novo governo de enfraquecer a agenda ambiental.

Salles, porém, nega que a pasta tenha sido desidratada e entende que as mudanças trarão um ganho de eficiência ao ministério.

Entre as autarquias que deixaram a pasta está a Agência Nacional de Águas (ANA), que foi para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Apesar de tecnicamente não haver tantas ressalvas em relação a essa alteração, a ANA é um órgão importante, que deixa um vácuo de poder no organograma da pasta. A agência reguladora cuida das outorgas de uso de águas, para empreendimentos como hidrelétricas e irrigação, por exemplo.

Outra mudança foi a transferência do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para o Ministério da Agricultura. O setor tem como missão promover o “uso sustentável e a ampliação da cobertura florestal, tornando a agenda florestal estratégica para a economia do país”.

A joia da coroa desse órgão é o Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro eletrônico obrigatório que identifica áreas de reserva legal e de preservação permanente dentro das propriedades rurais brasileiras. O CAR foi criado pelo mais recente Código Florestal, de 2013, e é exigido de produtores rurais para a tomada de financiamento junto aos bancos. Agora, o órgão foi entregue a um ruralista, o deputado Valdir Colatto (MDB-SC) — aliado da ministra da Agricultura, Tereza Cristina –, derrotado na última eleição.

O Ministério do Meio Ambiente também deixou de ter um setor específico para tratar das mudanças climáticas. A principal estrutura do ministério que abordava o assunto – a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas – foi extinta e deve ser transformada em uma “assessoria”, ligada diretamente ao gabinete do ministro. O novo posto, porém, ainda não foi criado.

Em outra frente, o Ministério das Relações Exteriores também acabou com o setor que abrigava a Divisão de Mudança Climática. Assim como outros integrantes do governo, o chanceler Ernesto Araújo questiona a teoria do aquecimento global e já chegou a dizer que esse é “um dogma científico influenciado pela ideologia marxista”. As duas Pastas costumavam dividir esta agenda, que demanda negociações com outros países e com a ONU.

Por outro lado, o governo recuou e anunciou, na semana passada, que o Brasil não deixaria, pelo menos por ora, o Acordo de Paris, tratado assinado por 195 países para conter o aumento do aquecimento global.

Outro tema que sumiu do ministério foi o combate ao desmatamento – a palavra sequer aparece no Decreto 9.672, que regulamenta a nova estrutura do MMA. Na gestão anterior, havia a Secretaria de Mudança do Clima e Florestas, além do Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento. Agora, haverá apenas uma Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável com essa prerrogativa.

Uma área que também levanta preocupação entre os ambientalistas é a de licenciamento ambiental, que, no âmbito federal, era competência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). No governo Bolsonaro, porém, outros órgãos poderão emitir pareceres sobre o assunto.

Esse é o caso da Secretaria de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriações, criada dentro da Secretaria de Governo. O discurso é de que o órgão não vai substituir o trabalho do Ibama, mas atuar para diminuir o potencial de conflito para a autorização de obras ligadas ao Programa de Parcerias de Investimentos (PPI).

Na prática, porém, a nova estrutura está sendo vista como uma maneira de o governo adotar o “fast track” (caminho rápido) para conceder licença a obras. O texto sobre a secretaria é amplo, e traz como uma de suas atribuições “instruir o processo de licenciamento ambiental dos empreendimentos qualificados no PPI para aprovação pela autoridade competente”.

Pela MP da reforma administrativa do governo, a nova Secretaria de Assuntos Fundiários, vinculada ao Ministério da Agricultura, também passará a ser consultada sobre processos de licenciamento ambiental em terras indígenas e quilombolas, o que antes era feita por meio de pareceres da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Fundação Palmares, respectivamente.

O novo ministro, porém, defende a reestruturação administrativa e diz que não há esvaziamento da pasta. Para Salles, as mudanças vão garantir mais eficiência ao órgão. O ministro analisa que, antes do novo organograma, a pasta concentrava diversos assuntos e tinha pouco foco. Ele também acredita que as únicas alterações significativas foram a saída da ANA e do SFB.

O ministro destaca ainda que algumas questões afeitas a esses dois órgãos permanecem sob a alçada do ministério, como é o caso do licenciamento ambiental exigido para obras de saneamento e capação de águas, e a conservação sobre florestas.

“As questões de clima deixam de ter uma secretaria e passam a ser assessoria, mas vão ficar mais próximas do meu gabinete. E o número de secretarias continua sendo cinco. Ou seja, não tem esvaziamento nenhum, zero”, disse Salles em entrevista ao Valor.

O ministro também explica que o Ibama seguirá sendo o órgão técnico incumbido de analisar e liberar licenças ambientais e descarta qualquer insegurança jurídica aos processos de licenciamento devido à redistribuição do tema dentro do governo.

No caso de projetos de infraestrutura prioritários para o governo, diz, a Secretaria de Governo atuará como “uma espécie de consultoria” para auxiliar outros órgãos, de maneira mais célere e eficiente. “A ideia é que os projetos venham mais estruturados para o Ibama”, ressaltou.

A experiência no PPI inaugura o que o ministro chama de “embaixada verde”, que são espaços de integração entre o MMA e outras pastas do governo, para que eles possam desenvolver um trabalho conjunto.