Valor Econômico
30/06/2021

Por Rodrigo Loureiro e Thaís Marçal

Há um cenário frutífero de investimentos no Brasil pautado na interação entre o setor público e privado em matéria de saneamento

A pandemia da covid-19 trouxe consigo uma necessidade de repensar as posturas dos entes públicos e privados em um movimento conjunto que permita a retomada da economia no pós-pandemia. O governo estadunidense pretende instituir um novo “new deal” com investimentos públicos pesados no setor de infraestrutura.

Fundamental que o governo brasileiro também comece seu planejamento para criar incentivos para fomento à economia em momento pós-pandêmico. Nesse ponto, a grande zona de oportunidade em relação à infraestrutura ganha especial destaque na realidade brasileira, diante de nossa necessidade de estabelecimento de infraestrutura básica.

Há um cenário frutífero de investimentos pautado na interação entre o setor público e o privado

A esse respeito, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos brasileira (Lei nº 14.133, de 2021) vem a convergir com os preceitos do novo Marco Legal do Saneamento nacional (Lei nº 14.026, de 2020). Diversos são os pontos de convergência entre ambos os diplomas. Destaca-se o uso do BIM (building information modeling), instrumento que permite melhor identificação sobre a correção de projetos de engenharia, bem como aperfeiçoa a tramitação de alteração, gerando avanços no custo de transação positivos.

A institucionalização da arbitragem e do dispute board para dirimir conflitos com a administração pública transparece um importante ganho de eficiência, diante do alto grau de conhecimento específico sobre a matéria posta em discussão, coadunado com uma gestão de tempo mais previsível. Com isso, provisão de receitas ganham concretude, sem reter fluxo de caixa por indeterminações de decisões durante longo período de tempo.

A obrigatoriedade de implementação de programas de integridade para aqueles que venham a manter relações contratuais com a administração pública é um importante ganho de probidade do mercado, que terá a probabilidade de lidar com concorrentes pautados por boas práticas.

Alinhado com as mencionadas externalidades positivas relacionadas da nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, o novo Marco Legal do Saneamento incentiva mecanismos de soft law, ou seja, promove o reforço administrativo de promover regulações setorizadas atentas às especificidades de cada setor.

Em conjunto com a atenção às peculiaridades do setor, a interpretação conjunto e sistemática com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB – Lei nº 13.655, de 2018) permite concluir que todo o processo de elaboração normativa, bem como as escolhas públicas em optar por realizar uma licitação deve ter uma análise prévia de consequência em diálogo com o mercado, sob pena de nulidade.

Esse cenário permite concluir que há um cenário frutífero de investimentos no Brasil pautado na interação entre o setor público e o privado em matéria de saneamento com a apropriação de externalidade positivas decorrentes da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Nesse contexto, investimentos estrangeiros desempenham papel fundamental para permitir o aporte de capital, seja pela via de financiamentos internacionais em licitações ou por meio da possibilidade de participação de empresas estrangeiras.

Em relação às licitações com financiamento internacional, importante compatibilizar a leitura da nova Lei de Licitações com a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, fixando-se a seguinte premissa: é possível afastar a aplicação da lei nacional em licitações com financiamento internacional, quando for condição do agente financiador, não se podendo alegar abstratamente a violação a princípios jurídicos para afastar as regras do certame.

Isso porque, em que pese o grau de hierarquia dos princípios constitucionais, o legislador pátrio elegeu a forma de interpretação que valorizasse a segurança jurídica com a densificação das regras, de modo a não permitir decisões com base em valores jurídicos abstratos. De forma diversa não poderia ser concluído, uma vez que há um dever de deferência para as regras estabelecidas para condução do certame, sob pena de transgredir os pontos balizadores da concorrência e afugentar agentes financiadores, que teriam, segundo a jurisprudência brasileira, legitimidade para figurar no polo de demanda que discuta suas regras.

Acerca da participação de empresas estrangeiras é o grande ponto de avanço na nova lei, que extirpou a necessidade de empresa líder de consórcio ter nacionalidade brasileira.

Em um direito administrativo global não parece subsistir a necessidade instituições de barreiras nacionais que em nada permitiam concluir pelo incentivo ao desenvolvimento local, e sim na diminuição transnacional.

Ao invés de instituir barreiras competitivas, imperioso estabelecer regulação por contrato consentânea com as políticas públicas que se pretende fomentar. O Estado tem o dever de implementar as melhores práticas competitivas, bem como de não instituir barreiras concorrenciais que poderiam, em obediência ao princípio da proporcionalidade, ceder espaço para medidas menos excludentes.

Desafio passado, presente e futuro. E mundial. Rodrigo Loureiro e Thaís Marçal são, respectivamente, sócio do escritório Briganti Advogados, co-responsável pela Comissão Franco-Brasileira da Ordem dos Advogados de Paris e coordenador internacional da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ; e advogada do escritório Briganti Advogados, mestre em Direito pela UERJ e coordenadora acadêmica da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ.

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