Valor Econômico
19/11/2019

 

Duas Medidas Provisórias sobre o tema caducaram por falta de consenso

Nos próximos dias deverá ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados o novo marco regulatório do saneamento. Será a terceira tentativa em menos de um ano de se modernizar as regras da atividade, em que ainda predominam as empresas públicas e serviços claramente insatisfatórios. Basta ver os elevados índices de doenças originadas da higiene deficitária e o baixo índice de cobertura dos domicílios.

Dados recentes registrados no Sistema de Indicadores Sociais (SIS), divulgados pelo IBGE na semana passada, retratam a situação. O percentual de domicílios sem abastecimento de água por rede geral em 2018 era de 15,1%, estagnado em relação a 2017, quando era exatamente o mesmo. O número de domicílios sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial diminuiu quase imperceptivelmente entre os dois anos, de 35,9% para 35,7%. Isso não significa que todo o esgoto coletado dos 64,3% dos domicílios atendidos seja tratado antes de ser despejado em rios e oceano. Calcula-se que o esgoto tratado ronde os 45%. O melhor indicador é o da coleta direta ou indireta de lixo que, ainda assim, não atende 9,7% dos domicílios.

A situação é muito pior para a população de baixa renda, confirmando que o saneamento é também uma faceta da desigualdade social e racial. Os índices são mais precários nos domicílios com renda per capita inferior a US$ 5,50 de paridade de poder de compra (PPC) por dia, que equivale a cerca de R$ 420 por mês, critério do Banco Mundial para estabelecer a linha de pobreza. No ano passado, segundo o IBGE, nada menos que 25,6% dos domicílios dessa faixa de renda não tinham abastecimento de água por rede geral, 56,2% não possuíam rede coletora ou pluvial de esgoto e 21,5% não eram atendidos pela coleta direta ou indireta de lixo. Nada menos do que um quinto da população brasileira está nessa faixa, o que equivale a 52,5 milhões de pessoas, 72,5% das quais são pretos ou pardos.

A votação do marco regulatório do saneamento no plenário da Câmara promete ser acalorada. Duas Medidas Provisórias a respeito do tema caducaram por falta de consenso. A aprovação da mudança de regras prevista no Projeto de Lei 3.261/19, do senador Tasso Jereissati, levou mais de oito horas de debates na comissão especial da Câmara. O PL recebeu 21 votos a favor e 13 contra.

A oposição ao projeto aglutina os deputados de esquerda e governadores do Norte e Nordeste. Já o grupo a favor das mudanças atribui a situação deficitária do saneamento exatamente à predominância das companhias estatais.

Para levar o projeto de lei adiante, o relator, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), contemporizou com a oposição. Foi flexibilizado um dos pontos mais importantes do novo marco, que introduz a licitação obrigatória do serviço em concorrência aberta ao setor privado, e estabelece regras para os chamados contratos de programa, firmados sem licitação, diretamente pelas prefeituras e companhias estatais de água e esgoto.

O Projeto de Lei ganhou dispositivo que permite às companhias estatais de saneamento prorrogar os acordos em vigor no ano seguinte após a publicação da lei, desde que cumpram certos requisitos e a metas de universalização dos serviços de água (99% da população atendida) e de esgoto (90%) até 2033, como preconiza o Plano Nacional de Saneamento Básico, de 2007. Isso significa que, na prática, esses contratos poderão ser estendidos por mais 30 anos. A formalização de novos contratos do tipo está, porém, vetada.

A condição para a prorrogação dos contratos é que as atuais prestadoras de serviços já garantam cobertura acima de 90% no abastecimento de água e de 60% a coleta e tratamento de esgoto. No entanto, levantamento feito pelo governo e obtido pelo Valor (11/11) mostra que esses requisitos são cumpridos em apenas 6% dos municípios, ou seja, em 343 dos 5,7 mil existentes no país, dos quais 230 são atendidos por sociedades de economia mista, 80 por autarquias, 31 por companhias privadas e dois por empresas públicas. Outro ponto de debate é o atendimento das cidades menores, que não atrairiam as empresas privadas.

 Se o projeto for aprovado no plenário da Câmara, seguirá então para o Senado, onde foi avalizado em comissão em junho. Mas a divisão igualitária de número de senadores por Estado faz com que o embate seja ainda mais acirrado.