Valor Econômico

Por Arícia Martins — De São Paulo
05/11/2019

Para economistas e especialistas do setor, permanência dos juros baixos por mais tempo é janela de oportunidade que torna investimentos em infraestrutura mais atrativos

Além do impulso ao consumo, o ambiente de taxas de juros menores, que parece mais duradouro no ciclo atual, deve ajudar bastante o investimento. Mais do que a queda da Selic, a redução na curva longa dos juros torna o cenário mais positivo também para quem pretende investir, principalmente na área de infraestrutura, concordam economistas e especialistas do setor. A visão é que projetos antes inviáveis por terem uma taxa de retorno inferior aos juros ficaram atrativos aos olhos dos investidores, em especial aqueles que miram o longo prazo.

Roberto Secemski, economista para Brasil do Barclays, ressalta que as taxas reais de juros brasileiras estão em níveis historicamente reduzidos: o juro real privado de um ano está abaixo de 1% pela primeira vez desde o início do Plano Real, em 1994. O cálculo é feito descontando a inflação projetada para os próximos 12 meses do contrato de swap de juro de 360 dias.

“Em um ambiente de baixas taxas de juros, o Brasil pode desenvolver seu próprio mercado de capitais, prolongando prazos e canalizando a poupança do setor privado para projetos mais eficientes, como os de infraestrutura”, diz Secemski, para quem a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das Contas Nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) vai subir 4,6% em 2020. Essa projeção, considerada otimista, já conta com algum efeito dos juros menores sobre o investimento.

Nesses projetos mais eficientes, as taxas de longo prazo são mais importantes, e também elas mostraram queda expressiva. Apresentação feita pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, na reunião anual do Fundo Monetário Nacional (FMI), em meados de outubro, destaca essa tendência. Segundo Campos Neto, a taxa de frx anos saiu de 18% para 12% há um ano e, agora, está abaixo de 7%.

“E os juros devem permanecer mais baixos, mesmo quando a política monetária for normalizada”, diz Secemski, lembrando que a taxa Selic, hoje, está em patamar estimulativo – ou seja, abaixo do juro neutro, aquele que permite a economia crescer sem acelerar a inflação. “Em algum momento os juros vão voltar para o patamar neutro, mas mesmo assim não devem retornar aos patamares anteriores.” Medidas como a reforma da Previdência, que controla o gasto público, permitem queda mais sustentável dos juros, aponta ele.

Essa também é a visão do Citi Brasil. Para os economistas Leonardo Porto e Mauricio Une, as chances de que o BC continue cortando a Selic em 2020, após reduzir a taxa a 4,5% anuais até o fim de 2019, estão aumentando. E, com a perspectiva de juros baixos por mais tempo, aumenta o interesse por projetos de longo prazo, de baixo risco, e que pagam um prêmio maior do que os títulos do Tesouro, diz Daniel O’Czerny, responsável pelo financiamento de projetos de infraestrutura do banco.

Dentre os setores que devem ser beneficiados, O’Czerny destaca o de transmissão de energia. “Desde que a compressão da taxa de juros começou, houve aumento no interesse por esse setor, mesmo em players que não eram muito focados nele”, afirma ele. O leilão de linhas de transmissão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 19 de dezembro, já deve atrair mais participantes devido ao novo patamar dos juros, avalia.

 Mas a trajetória positiva será mais visível no longo prazo, diz O’Czerny. Nas estimativas do Citi, R$ 3,7 trilhões serão investidos em infraestrutura na próxima década. Desse montante, 45% devem ser destinados ao segmento de óleo e gás, enquanto os segmentos de logística e de energia elétrica devem ficar com cerca de 25% dessa fatia cada um.

Para quem toma uma dívida de dez anos, prazo comum nos projetos de infraestrutura, cada 1 ponto percentual a menos na taxa de juros implica redução de 5% das despesas financeiras, calcula Marcelo Allain, sócio do BR Infra Group e exsecretário do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI). Num financiamento de 20 anos, as despesas financeiras caem 8,3% e, num de 30 anos, recuam 11%, observa ele. “É uma grande oportunidade para o setor financiar empreendimentos de prazo mais longo com custo mais baixo”, diz Allain.

 Pensando do ponto de vista do acionista, aponta ele, a taxa interna de retorno aumenta, o que reduz o pagamento de encargos financeiros. Assim, sobram mais recursos para fazer novos investimentos. Não só os acionistas se beneficiam, mas também o governo, acrescenta: num processo de licitação, com juros menores, o valor das outorgas oferecidas sobe. No caso de uma Parceria Público-Privada (PPP), o valor da contraprestação paga pelo setor público cai. A nova realidade financeira é mais favorável, mas, sozinha, não garante que muitos projetos vão sair do papel, diz Allain. Como exemplo, ele cita o setor de saneamento, que depende de um novo marco regulatório para que investimentos sejam destravados. Há, ainda, o pano de fundo de baixo crescimento da economia brasileira. O longo período de frustração com o ritmo do recuperação segura um pouco o ânimo do setor privado, afirma.

Para Cláudio Frischtak, diretor da Inter.B Consultoria, a expansão dos investimentos privados em infraestrutura ainda depende de redução da insegurança jurídica, da aprovação de leis no Congresso como a MP do Saneamento, e também de um ambiente político menos turbulento. “A taxa de juros mais baixa cria um clima positivo, mas não é o principal determinante desses investimentos”, avalia.

 Nas estimativas da consultoria, o Brasil vai investir 1,87% do seu PIB em infraestrutura neste ano, pouco acima do resultado de 2018 (1,82%), percentual que poderá chegar a 2,2% em 2020 “se tudo der certo”, diz Frischtak. A alta deve ser puxada pelo setor de transportes, mais especificamente rodovias, com as concessões do governo federal e de Estados. Mesmo assim, o país ainda estará longe de alcançar o patamar de 4,1% do PIB ao ano, estimado pela Inter.B, para modernizar a infraestrutura do país.

Segundo Serafim de Abreu, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef-SP), as empresas veem um cenário mais positivo para investir agora, depois de ajustarem suas expectativas, “corrigindo” um excesso de otimismo após a eleição presidencial. Com previsão de crescimento maior em 2020, inflação e juros baixos, o maior risco, em sua avaliação, é que haja demora no encaminhamento das demais reformas.