Estadão
22/04/2020

Por Cristian Favaro e Amanda Pupo

Aumento no índice de não pagadores já compromete o caixa das companhias, consideradas fundamentais nos esforços de combate ao novo coronavírus

Considerado central nos esforços de combate ao novo coronavírus, o setor de saneamento enfrenta nas últimas semanas um aumento de inadimplência desafiador para o caixa das companhias. Entre as empresas privadas, onde o índice de não pagadores costuma estar em torno de 5%, já se registra uma inadimplência média de 25%. No segmento público, há companhias que lidam com a inadimplência chegando a casa dos 30%. Na média, o número ficou em 21% nos últimos quinze dias.

“A situação é preocupante”, afirmou o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aebse), Marcus Vinícius Fernandes Neves.

Diante do cenário, a crise tem deixado em xeque investimentos no setor. Por enquanto, empresários não reduziram suas estimativas para 2020 frente ao recurso já levantado antes da pandemia. Mas a crescente inadimplência e a falta de espaço para novas captações no mercado tornam o ambiente instável. 

De acordo com o diretor-presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Carlos Eduardo Tavares de Castro, o grupo tem discutido com o regulador do setor sobre o aumento na inadimplência. O indicador em abril está na casa de 20%, cinco vezes maior do que é normalmente. “Está impossível prever para onde vai a inadimplência”, disse.

A companhia tem negociado com fornecedores a postergação de pagamentos para manter a cadeia funcionando. Os investimentos da Copasa estão estimados em R$ 816 milhões em 2020, crescimento de 31% no ano. “Se a inadimplência ganhar mais relevância, certamente a gente vai ter de revisitar o plano”.

A emissão de dívida, fundamental para financiar projetos, tem sido um desafio. A Copasa está com uma operação para captar recursos, mas avalia condições para lançar ao mercado. O executivo disse não poder dar mais detalhes.

Na mesma direção, a Iguá Saneamento – que presta serviço em Alagoas, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina – teve de pisar no freio no processo de emissão de debênture (título de dívida corporativa).

“Tínhamos tudo pronto. Portarias, autorização do Ministério de Desenvolvimento. A gente ia começar a fazer o roadshow (apresentação a investidores), mas o mercado travou. A gente provavelmente receberia R$ 1 bilhão no final de abril para continuar os projetos que a gente tem”, disse o presidente da empresa, Gustavo Guimarães.

Ele afirmou que a inadimplência medida por 30 dias em tempos normais fica na casa de 10% a 15%, indo para 4% depois de mais 60 dias. “Na crise, ela veio para 30% em 30 dias. A gente acredita que esse nível de 4% deve voltar apenas em nove meses.”

Guimarães destacou que a empresa, que recebeu aporte em 2018 de R$ 400 milhões dos acionistas, tem caixa para arcar com a parcela própria dos investimentos, mas que precisa do mercado, responsável por financiar cerca de 70% do valor total dos projetos. Entre as saídas, estaria uma linha de crédito junto aos bancos públicos, mas que não saiu.

Sabesp

O caso do Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) é um pouco diferente. A empresa, sozinha, responde por 25% de todo o investimento feito em saneamento no País. “Ainda é cedo para falar do avanço da inadimplência”, disse Rui de Britto Álvares Affonso, diretor da empresa. A tendência de crescimento, entretanto, seria clara. “É um fenômeno que vamos ter de lidar.”

Affonso destacou que a Sabesp tem posição confortável para fazer frente aos R$ 3,8 bilhões em investimentos projetados para 2020. “Estamos calejados para enfrentar mais essa crise”, disse, e emendou: “A Sabesp não tem reduções bruscas (na receita). Tivemos quedas de 20% de receita no período da crise hídrica, alta de dólar e passamos sem a necessidade de renegociar dívida”, afirmou.

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) deliberou pelo reajuste tarifário de 2,5% para a Sabesp, mas postergou a aplicação por causa da pandemia.

Affonso disse que recebeu com tranquilidade a notícia. “Do ponto de vista do equilíbrio econômico financeiro ele está assegurado. Mas não causa desafio? Depende. Significa uma redução do fluxo de caixa. Significa que a empresa vai ter de ser mais restrita na sua despesa”, afirmou. 

A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) afirmou em nota que mantém os investimentos em projetos e obras previstos em seu planejamento anual. “Para 2020, estão programados R$ 1,2 bilhão para assegurar o abastecimento com água tratada a 100% da população urbana e ampliar o esgotamento sanitário, que hoje atende 74,2% da população, nos municípios em que a Companhia atua – 345 no Paraná e Porto União, em Santa Catarina”.

O diretor-presidente da companhia, Claudio Stabile, disse que a empresa está se “esforçando” para manter os investimentos. “O momento agudo pelo que passamos reforça a necessidade de a Sanepar continuar o seu trabalho. Por isso, estamos nos esforçando para manter nossos investimentos. A Sanepar não para.”

Leilões

Apesar das crises, as empresas mostraram apetite para disputar novos projetos no setor. Carlos de Castro, da Copasa, disse que a empresa continua com a meta de disputar  qualquer nova concessão em Minas, com destaque para Andradas e Nanuque, cujos contratos com a companhia chegaram ao fim. “Estamos aguardando o novo marco regulatório para analisarmos possíveis investimentos em outros estados”.

Na mesma direção, Gustavo Guimarães, da Iguá, destacou que o grupo está focado em projetos novos. “O nosso acionista indicou. Nosso mandato é para crescer a companhia”, disse. Entre os projetos no radar estão a Sanesul, que lançou um projeto de PPP em esgotamento, além da região metropolitana de Maceió, a fluminense Cedae e Caesa (Amapá).