Valor Econômico
20/01/2020

Por Arícia Martins

Para entidade, saída dos efeitos do FGTS e aceleração inflacionária devem moderar o consumo no começo do ano

Depois de frustrar no fechamento de 2019, o ritmo de atividade deve começar 2020 ainda mais fraco, mas a perspectiva de recuperação cíclica no ano está mantida. A avaliação é do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), que projeta alta de 0,2% para o Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre em relação aos três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais.

Na edição de janeiro do Boletim Macro, divulgada com exclusividade ao Valor, a equipe de conjuntura do Ibre revisou para baixo, de 0,8% para 0,6%, a estimativa para o crescimento no último trimestre do ano passado, também na comparação trimestral com ajuste. As previsões para a expansão da economia em 2019 e 2020 foram mantidas em 1,2% e 2,2%, respectivamente.

“Os sinais de fraqueza de alguns indicadores econômicos no quarto trimestre reforçam o cenário do Ibre de um crescimento ainda bem modesto no início do ano”, afirmam os pesquisadores Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos na abertura do documento. “Para o primeiro trimestre, esperamos desaceleração em todos os setores da economia”, apontam eles.

Coordenadora do boletim, Silvia afirma que o instituto não tem visão negativa sobre a evolução da atividade, mas houve certa euforia do mercado com os dados há alguns meses, que está sendo corrigida agora. “A recuperação cíclica não está perdida. Ela vai vir. Mas recuperação cíclica não é o PIB crescer 3%, 4%”, diz a economista, que aponta dificuldades para o PIB engrenar uma velocidade mais expressiva.

A diluição dos efeitos dos saques do FGTS, concentrados nos últimos três meses de 2019, não é o único fator que deve desacelerar a economia no começo deste ano, destaca o Ibre. A inflação mais pressionada também vai diminuir os ganhos de renda dos trabalhadores e, consequentemente, o impulso para o consumo das famílias. Nas projeções da entidade, o consumo cresceu 1,1% de outubro a dezembro, mas deve subir apenas 0,3% entre janeiro e março de 2020.

De maio até outubro, a inflação acumulada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de apenas 0,5%, observa Silvia, evolução benigna que ajudou a renda real a crescer no período, mas já ficou para trás. “Quando a inflação sobe, reduz a magnitude do consumo das famílias.”

Na seção sobre mercado de trabalho do boletim, o economista Daniel Duque afirma que, mesmo com o reajuste um pouco maior do salário mínimo, fixado em R$ 1.045 mensais, os primeiros trimestres móveis da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua devem mostrar queda da renda real em 2020. Isso porque, além da alta da inflação, o aumento da informalidade tende a reduzir o impacto da correção do piso nacional sobre a renda do trabalho.

Segundo os pesquisadores Aloisio Campelo e Viviane Seda, responsáveis pela seção de confiança do Boletim Macro, as expectativas empresariais para contratação de mão de obra em 2020 estão melhores, o que indica que a confiança dos consumidores deve seguir em alta. O Índice de Confiança do Consumidor (ICC), da FGV, subiu 2,7 pontos entre e novembro e dezembro, para 91,6 pontos.

No momento, porém, a percepção das famílias sobre a facilidade se conseguir uma ocupação ainda está próxima do piso histórico da Sondagem do Consumidor. “Uma recuperação mais consistente tende a continuar dependendo da recuperação do mercado de trabalho”, dizem.

Para Silvia, os investimentos também não devem ter bom desempenho no primeiro trimestre, depois da queda de 0,2% prevista para a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das Contas Nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) entre outubro e dezembro de 2019, interrompendo dois trimestres seguidos de aumento.

Apesar do avanço estimado de 4,4% para a FBCF na média de 2020, alguns fatores devem atrapalhar o investimento neste início de ano, diz a coordenadora, como a fraqueza da indústria de transformação e a incerteza econômica ainda elevada.

Em meio à decepção com o ritmo de retomada, economistas começaram a discutir se o Comitê de Política Monetária (Copom) deve voltar a reduzir a Selic ou não, mas, para Silvia, o debate ainda não faz sentido. “Por que o investimento não está voltando? Temos incerteza elevada, questões estruturais como instabilidade de regras e ambiente de negócios menos favorável, ainda não sabemos como vai ser o regime tributário. Não é a política monetária que vai resolver isso.”

Se, passado o primeiro trimestre, a reação da atividade seguir frágil e os choques sobre a inflação se dissiparem, é plausível que o Copom reavalie seu cenário, mas cortar os juros já na reunião de fevereiro do Copom seria precipitado, afirma. “Teríamos que ter um PIB zerado ou negativo para dizer que a política monetária não está funcionando.”