Por Fábio Pupo e Renan Truffi – Valor Econômico

09/05/2019 – 05:00

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou em audiência pública na Comissão Especial que analisa a reforma da Previdência que o regime de capitalização não será lançado se a economia gerada com a proposta de emenda constitucional for de R$ 700 bilhões em um ano.

A fala do ministro veio após reiteradas contestações de parlamentares sobre o real custo para se lançar o novo regime, considerado o principal objeto da reforma do Executivo. Apesar de Guedes sempre ter citado o valor de R$ 1 trilhão, técnicos da Economia afirmaram há cerca de duas semanas que tal cálculo nunca chegou a ser feito.

“Qual o menor valor de economia em dez anos tolerado pelo governo para que a gente possa cumprir essas metas [de equilíbrio fiscal]? É uma pergunta séria e o senhor vai passar de forma mais séria, para que possamos fazer a nova previdência do povo brasileiro, não do governo”, disse o deputado Dr. Frederico (Patri-MG).

Guedes jogou a responsabilidade para o Congresso. “Quanto a qual o mínimo e o custo da transição, a resposta está aqui no plenário. Se o plenário aprovar uma reforma de R$ 600 bilhões ou R$ 700 bilhões, isso não permite o lançamento do regime”, disse. “Se reforma for de R$ 1 trilhão, temos confiança no lançamento”, complementou em outro momento. O número de R$ 700 bilhões de economia é a estimativa mais comum hoje no mercado, conforme levantamento feito pelo Valor junto a 58 economistas de consultorias financeiras, publicado na edição de segunda-feira.

A discussão em torno da capitalização fez o deputado Ivan Valente (Psol-SP) acusar o ministro de crime de responsabilidade naquele que foi um dos momentos mais tensos da sessão. O parlamentar afirmou que recebeu do ministério uma resposta formal a uma requisição dizendo que os cálculos sobre a capitalização só poderiam ser feitos após a criação da lei sobre o tema. No entanto, Valente citou uma declaração anterior de Guedes em palestra no Banco Central citando a existência de simulações sobre o dado. “Considera-se crime de responsabilidade a recusa de atendimento ou informação falsa. Considero essa informação falsa, o senhor cometeu crime de responsabilidade. Vocês têm o cálculo, mas não mandaram para cá”, disse.

Entre os deputados, também houve críticas de que o regime de capitalização acabaria com o sistema de seguridade ao “privatizar” a previdência, o que na visão deles seria benéfico para os bancos. Valtenir Pereira (MDB-MT), por exemplo, afirmou que tem receios que o valor de R$ 1 trilhão acabe nas mãos de “rentistas” e não em melhorias para o país.

O deputado Jorge Solla (PT-BA) sugeriu que a conta da transição para a capitalização seria tão grande que diferentes países desistiram da proposta. “O governo não sabe qual o impacto da capitalização Em 30 países, 18 voltaram atrás. Vejam qual o custo nesses países”, disse.

Além das contestações à capitalização, deputados questionaram pontos como as mudanças no Regime de Prestação Continuada (BPC) e na aposentadoria rural – que, juntas, representam R$ 127 bilhões em economia. Guedes deixou a decisão para o Congresso. “Sobre o BPC, isso está aberto para os senhores atuarem. No rural, também entendi a importância e a decisão é dos senhores”, disse.

Os parlamentares avançaram ainda em questionamentos sobre os números mais recentes divulgados pelo ministério, que detalharam o impacto da reforma em diferentes itens. Muitos questionaram o fato de o Regime Geral da Previdência Social (RGPS, que atende o trabalhador comum), ser responsável pela maior economia prevista – de R$ 807,9 bilhões. Já alterações no regime voltado a servidores – os “privilegiados”, na visão da equipe -, gerariam uma poupança de R$ 224,5 bilhões. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, apresentou novos números na sessão para rebater a visão. Segundo ele, a economia per capita no RGPS é de R$ 11,3 mil em dez anos e no RPPS, R$ 157 mil. Com isso, o secretário quis mostrar que o impacto continua sendo maior para os servidores públicos.

A sessão vinha sendo tocada com relativa calmaria até Guedes perder a paciência ao ser ligado a escândalos em fundos de pensão. Também foi provocado por Valente com um cartaz que imitava um cheque em branco endereçado pelo ministro aos bancos privados – sugerindo que a reforma proposta pelo Executivo beneficiaria instituições financeiras.

Em meio a esse e outros comentários, Guedes direcionou ataques a outro deputado da oposição, o petista José Guimarães (PT-CE), que não o havia questionado sobre o assunto nem estava na comissão no momento da acusação.

“Estou sendo ameaçado de crime de responsabilidade, estão entrando no Google para pegar coisas minhas, mas não vou reagir nem a ameaça, nem a ofensa”, disse, antes de continuar. “Eu não posso ser acusado do que vários companheiros da deputada [Perpétua Almeida, do PCdoB-AC] estão sendo investigados. Se eu ‘googlar’ por ‘dinheiro na cueca’, eu vou achar alguma coisa também, né, [José] Guimarães? Depois das 18 horas, a baixaria começa, é o padrão da casa. Já entendi o padrão”, rebateu.

O episódio citado por Guedes faz referência a uma notícia de 2005, quando um assessor de Guimarães foi preso no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com U$ 100 mil na cueca, além de outros R$ 209 mil em uma maleta. O funcionário viajaria a Fortaleza, berço eleitoral do petista.

A ironia exaltou os ânimos na comissão. Deputados do PT e da oposição levantaram-se e começaram a exigir desculpas do ministro. O ministro foi repreendido mais de uma vez pelo presidente da comissão, Marcelo Ramos (PR-AM). O parlamentar pediu que Guedes limitasse seus comentários às questões previdenciárias.

Em outro momento, Guedes voltou a provocar a oposição ao responder uma pergunta da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Segundo ele, as mudanças sendo sugeridas tentam colocar o Brasil no caminho da prosperidade, e não “da Venezuela”. Deputados reagiram à provocação.

Guedes volta hoje ao Congresso para audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO). A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara também aprovou a convocação do ministro para prestar esclarecimentos no dia 4 de junho.