Valor Econômico
21/11/2019

Por Taís Hirata

O temor é que, se a discussão ficar para 2020, as eleições municipais tornem ainda mais difícil a formação de um consenso

As empresas privadas de saneamento básico e as bancadas estaduais tentam chegar a um acordo para que o novo marco regulatório do setor possa ser aprovado ainda neste ano. O temor é que, se a discussão ficar para 2020, as eleições municipais tornem ainda mais difícil a formação de um consenso.

Algumas flexibilizações já estão em negociação. A depender de como as conversas se desenrolarem nos próximos dias, o projeto de lei poderá ser levado ao plenário da Câmara dos

Deputados já na semana que vem. Depois, o texto ainda precisará retornar ao Senado Federal, de onde partiu a versão inicial.

O governo Jair Bolsonaro, que apoia a versão atual do projeto, teme não haver votos suficientes para aprová-lo em plenário. Há poucos dias, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que também é favorável à reforma, comprometeu-se com o Palácio do Planalto a colocar o projeto em votação somente com a “certeza” de vitória.

Tanto Maia quanto articuladores políticos do governo acreditam que uma terceira derrota seguida – duas medidas provisórias sobre o tema já caducaram – seria fatal nos planos de reformar o saneamento.

 Uma possibilidade bastante cogitada é votar um requerimento de urgência para o projeto de lei. Não apenas para dar mais celeridade à tramitação, mas principalmente porque permitiria uma contagem de deputados favoráveis ao texto bastante próxima da avaliação do mérito. O texto aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados, no fim de outubro, foi considerado por analistas a versão mais liberal do projeto já apresentada até agora – mais até do que as medidas provisórias que acabaram caducando, por resistência de bancadas estaduais, principalmente do Norte e Nordeste. Portanto, mudanças na redação já eram esperadas pelo setor.

“Há uma disposição firme em chegar a um acordo. A preocupação é com as eleições do ano que vem. Há o risco de que a discussão seja empurrada para 2021. Seria um atraso ruim para o mercado e para o país”, afirma Percy Soares Neto, diretor-executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon).

Um dos pontos que desagrada tanto companhias públicas quanto as privadas é o limite de 25% para a subdelegação de contratos de prestação de serviços. Na prática, a restrição seria uma trava para parcerias público-privadas em que a estatal repassa uma parte de sua operação ao setor privado – um tipo de desestatização que tem sido bastante explorada, inclusive em modelagens do programa coordenado pelo BNDES.

A restrição de 25% é defendida pelo governo federal. A ideia é evitar que as estatais assumam o papel de “atravessadores”, colocando-se entre as companhias e as prefeituras – o que encarece a tarifa da população sem necessidade. As empresas, porém, veem a subdelegação com bons olhos: para as privadas, é uma forma de abrir oportunidades no mercado e, para as públicas, de ampliar os investimentos nas cidades atendidas sem abrir mão de poder e receita.

 Outra exigência do projeto de lei que poderá ser flexibilizada é o prazo para a universalização. O texto atual determina que os contratos de prestação de serviços tenham metas que garantam, até dezembro de 2033, uma cobertura de 99% da população com água potável e de 90% com coleta e tratamento de esgotos.

As companhias estaduais, porém, consideram o prazo inviável do ponto de vista econômico financeiro em diversas regiões onde a estrutura é mais precária e a renda da população, mais baixa. Há conversas para que o prazo seja prorrogado de 2033 para 2040. As estatais defendem que o texto traga a possibilidade de prazos maiores em casos específicos.

As empresas públicas também trabalham para ampliar a regra de transição. O texto atual dá um período de um ano para que as companhias estaduais possam renovar seus contratos de programa (firmados com as prefeituras sem necessidade de licitação). As companhias privadas já admitem que a janela poderia subir para 24 meses, mas as públicas defendem que seja de, no mínimo, 36 meses.

“É preciso um prazo de ao menos três anos. O primeiro ano, que deverá ser de eleições [partindo do princípio que o marco será aprovado em 2019], já está perdido. Com um período maior, haveria tempo para o novo prefeito assumir e tomar as medidas necessárias”, afirma Marcus Vinícius Neves, presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe).

Apesar dos avanços, ainda há diversas outras divergências em aberto – por exemplo, as limitações para renovar os contratos de programa. Pelo texto atual, apenas municípios com índices mínimos de atendimento (60% para coleta de esgoto e 90% para abastecimento de água) poderão renovar os contratos, por até cinco anos. As estatais querem que não haja restrições. (Colaborou Daniel Rittner, de Brasília)