Folha de S. Paulo

Por Thiago Resende – BRASÍLIA/DF
28/10/2019

Projeto que muda regras do setor deve ser votado nesta semana em comissão na Câmara

O governo planeja oferecer apoio técnico e financeiro a municípios que abrirem o setor de água e esgoto para a iniciativa privada.

Determinada a estimular a competição entre empresas públicas e privadas, a equipe econômica quer ajudar na formulação das licitações e disponibilizar recursos federais para investimentos em saneamento.

O projeto que muda as regras do setor deve ser votado nesta semana em comissão na Câmara sob forte pressão de companhias estaduais, principalmente do Norte e do Nordeste, e governadores.

Em entrevista à Folha, o relator especial da ONU em direitos humanos em água e saneamento, o brasileiro Léo Heller, disse que a proposta de ampliar participação privada em saneamento é falaciosa.

Após a declaração, o governo reagiu. “É opinião política. A carreira toda dele [Heller] é pró-estatal, e o resultado é mais de 100 milhões de brasileiros desconectados da rede de esgoto”, afirmou o secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord de Faria.

A equipe do presidente Jair Bolsonaro (PSL) diz acreditar que as estatais se tornaram ineficientes, perderam o poder de investimento e não são capazes de universalizar o serviço de água e esgoto.

Por isso, na visão do governo, é necessário abrir o mercado para o setor privado.

Se conseguir convencer a maioria dos parlamentares a adotar a medida, o Ministério da Economia pretende oferecer informações e estudos sobre viabilidade econômica, técnica e ambiental para as licitações e ajudar na elaboração dos planos e governança do saneamento.

Além disso, deve ser criado um grupo interministerial para coordenar o Plano Nacional do Saneamento Básico, cuja meta é universalizar o acesso ao serviço até 2033.

“O BNDES pode colocar algumas linhas [de financiamento]. Queremos garantir o acesso a recursos federais. Há diversas ferramentas necessárias para estimular o saneamento”, disse Faria.

Para ele, a ineficiência das estatais tem travado a liberação de empréstimos para obras de água e esgoto, pois muitas companhias estaduais não conseguem nem sequer concluir um projeto a ser financiado.

Atualmente, apenas cerca de metade dos recursos disponíveis é usada, segundo o secretário.

Levantamento do governo aponta ainda que nove estados usam mais de 50% da receita operacional para pagamento de pessoal, reduzindo o espaço para investimentos. A maioria está no Norte e no Nordeste, onde há maior carência de expansão da cobertura.

Sem consenso, o Congresso Nacional debate o novo marco regulatório do setor desde o fim da gestão do ex-presidente Michel Temer (MDB).

A equipe de Bolsonaro aproveitou quase toda a proposta do antecessor para defender que a escolha do operador de água e esgoto do município seja por concorrência (licitação) entre setor público e privado.

No capítulo mais recente do embate no Congresso, a Câmara criou uma comissão especial para analisar todos os diferentes projetos para novas regras de saneamento. O relator é o deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), cujo voto está alinhado com o governo.

A versão apresentada pelo deputado desagradou a empresas estaduais de saneamento, prefeitos e governadores do Nordeste, que articulam a derrubada da proposta.

Assim, o deputado Fernando Monteiro (PP-PE) entregou um voto alternativo e que pode ser votado na comissão.

O texto de Monteiro é pela manutenção dos chamados contratos de programa. Esse tipo de contrato é assinado diretamente entre municípios e companhias estaduais de água e esgoto —sem concorrência.

Prefeitos, hoje, podem fazer contratos com empresas privadas, mas o setor afirma que há muitos entraves que dificultam que a participação privada seja ampliada.