Valor Econômico
23/06/2020

Por Taís Hirata

ANA vai definir governança e indenizações como prioridade regulatória, e União planeja decretos

O governo já prepara as medidas seguintes à aprovação do novo marco do saneamento básico, que deverá ser votado nesta semana. De um lado, a Agência Nacional de Águas (ANA) tem se reunido com agentes do setor para definir os temas prioritários que serão alvo de regulação federal. De outro, o governo já planeja ao menos três decretos para complementar as novas regras.

A mudança na legislação está em debate há dois anos no Congresso Nacional. A versão atual do projeto, que já foi aprovada na Câmara, deverá ser votada pelo Senado nesta quarta-feira (24) e, caso seja aceita sem alterações, seguirá para sanção presidencial.

Porém, ainda há resistência de parlamentares. Até mesmo defensores da lei tentam controlar seu otimismo, diante do histórico de repetidas votações frustradas nos últimos anos.

Mesmo sem a aprovação definitiva, a ANA, que com a nova lei se tornará um órgão regulador do saneamento, já definiu alguns dos primeiros temas que serão alvo de regulamentação federal, segundo a diretora-presidente, Christianne Dias. O plano é formular as novas diretrizes aos poucos, mas um primeiro pacote já poderá ser lançado até o fim deste ano.

Um dos temas prioritários será a governança das agências reguladoras locais, que hoje é alvo de reclamação das empresas. A ideia é definir requisitos mínimos para que esses órgãos tenham garantidas sua autonomia e capacidade de tomar decisões técnicas.

Outro assunto primordial é a metodologia de cálculo da indenização pelos bens reversíveis em caso de encerramento de contratos. O assunto ganhará importância justamente devido às medidas do novo marco que ampliam a concorrência entre estatais e grupos privados. Diante da possibilidade de as companhias públicas perderem parte de seus acordos, é preciso determinar como será calculado o ressarcimento pelos investimentos feitos pelas empresas e ainda não amortizados.

A presidente da ANA destaca que todos esses temas serão alvo de audiência e consulta pública. “Nada será feito de surpresa, toda a sociedade poderá contribuir com o debate”, diz ela.

O prazo para a implementação das diretrizes dependerá do tamanho da estrutura que a agência receberá. A ANA, que hoje tem 350 servidores, já pediu a abertura de um concurso público para outros 100. Além disso, a agência já acertou a transferência de 40 servidores de outros órgãos.

“Hoje, a ANA não faz regulação econômica em grande escala, precisamos de mão de obra especializada. Não adianta atribuir uma nova competência à agência sem dar estrutura”, afirma Dias.

Outro passo necessário após a aprovação da lei será a elaboração de alguns decretos federais, para regulamentar pontos específicos do novo marco. A expectativa das companhias é que ao menos três deles sejam publicados.

O primeiro deverá criar um comitê interministerial, que será responsável por definir a alocação de recursos federais no setor. Outra norma deverá definir a forma de atuação do governo federal, por exemplo, na criação de blocos regionais.

Um dos decretos mais aguardados é aquele que definirá a forma de as empresas comprovarem sua capacidade econômico-financeira para fazer os investimentos necessários.

Essa metodologia, que deverá ser publicada em um prazo de 90 dias, será decisiva principalmente para as estatais com menos recursos, que correrão o risco de perderem contratos caso não provem que são capazes de cumprir as metas de universalização.

A expectativa do mercado é que, diante de todos essas medidas necessárias, a nova legislação só passará a produzir efeitos após um ano e meio. “Primeiro, deve haver o impacto na regulamentação. Após essa fase, começa o efeito de geração de novos negócios, que deve demorar de três a cinco anos”, diz Radamés Casseb, presidente da Aegea Saneamento.

Para ele, uma das consequências mais imediatas da aprovação do novo marco será uma percepção mais positiva do mercado financeiro em relação ao setor. Com os riscos reduzidos, a expectativa é que o custo de captação de crédito possa diminuir, avalia.

Para o presidente do Conselho de Administração do grupo Águas do Brasil, Carlos Henrique Lima, o maior impacto no curtíssimo prazo virá não da aprovação da lei e sim dos processos de desestatização conduzidos pelo BNDES, que começam a sair do papel neste ano. “Com a nova legislação, a perspectiva é que os concorrentes serão mais ousados, diante da maior segurança jurídica do setor”, afirma.

A avaliação do executivo é que o setor privado, hoje com 6% do mercado de saneamento, possa chegar a uma fatia de 40% em dez anos com a nova legislação.