Valor Econômico
06/08/2020

Por Carlos Silva Filho e Fabricio Soler

Se no prazo de um ano não houver proposição do instrumento de cobrança pelos municípios, isso configurará renúncia de receita

A Lei 14.026, de 15.07.2020, atualiza o marco legal do saneamento básico e moderniza diversos trechos da legislação anterior, conferindo atribuição à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para editar normas de regulação para o setor, introduzindo novos conceitos para prestação dos serviços de saneamento básico e promovendo alteração dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos fixados pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305, de 2010, dentre outras medidas.

Apesar de bastante voltado para os serviços de água e esgoto, como vem sendo amplamente noticiado, o novo marco legal tem várias disposições também aplicáveis aos demais componentes do saneamento e neste espaço limitaremos a três eixos de grande relevância dedicados aos serviços públicos especializados de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, abrangidos por tal instrumento legal.

Se no prazo de um ano não houver proposição do instrumento de cobrança pelos municípios, configurará renúncia de receita

O primeiro eixo se refere à sustentabilidade econômico-financeira que deverá ser assegurada por meio de remuneração pela cobrança dos serviços, a ser arrecadada pelo prestador diretamente do usuário, na forma de taxas, tarifas e outros preços públicos, conforme o regime de prestação do serviço ou das suas atividades. Essa é, aliás, a primeira vez que uma norma federal dispõe com tal assertividade sobre um ponto fundamental para o custeio de serviços públicos essenciais.

As taxas ou as tarifas decorrentes da prestação de serviço de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos considerarão a destinação adequada dos resíduos coletados e o nível de renda da população da área atendida, de forma isolada ou combinada, podendo, ainda, considerar as características dos lotes e áreas, o peso ou volume coletado, o consumo de água e a frequência da coleta.

Outro ponto de atenção é que, se no prazo de um ano, não houver proposição do instrumento de cobrança pelos municípios, isso configurará renúncia de receita nos termos da Lei de Responsabilidade Fiscal, podendo caracterizar, inclusive, ato de improbidade administrativa.

Tanto é assim que, na hipótese de prestação dos serviços sob regime de delegação, será obrigatório comprovar a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços por intermédio de estudos preliminares que atestem a existência de recursos suficientes para o pagamento dos valores incorridos na delegação, por meio da demonstração de fluxo histórico e projeção futura de recursos.

Nesse sentido, o segundo eixo de modernização diz respeito à modelagem a ser adotada nos casos de terceirização dos serviços de saneamento. Conforme disposição expressa no novo marco regulatório, a transferência ou delegação dos serviços deverá ocorrer por meio de licitação e resultar na celebração de contrato de concessão.

Da versão aprovada no Congresso constava a disposição do artigo 20 que, anacronicamente, aplicava tal modelagem apenas para os serviços de água e esgoto, mas isso foi vetado na redação final sancionada. A lei que passa a vigorar equaliza e retoma a isonomia entre os serviços de saneamento básico, e veda sua disciplina por meio de contrato de programa, convênio, termo de parceria ou qualquer outro instrumento de natureza precária, privilegiando assim a competição como premissa para transferência de tais serviços.

Com isso, tem-se que os novos processos de delegação dos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos deverão ser elaborados e conduzidos para contratação de concessão pública, cujas premissas da legislação específica incluem investimentos pelo concessionário, remuneração dos serviços pelos usuários e prazo necessário ao retorno dos investimentos previstos.

Por fim, o terceiro eixo altera a Política Nacional de Resíduos Sólidos no que se refere ao prazo para disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, implicando na eliminação dos lixões a ser implantada até o final deste ano, em 31.12.2020, limite que poderá ser dilatado e escalonado na hipótese de os municípios que até essa data tenham elaborado plano de gestão integrada de resíduos (PGIRS) e disponham de mecanismos de cobrança que garantam a sua sustentabilidade econômico-financeira.

Pelas novas regras, os municípios que confeccionaram os seus PGIRS e instituíram taxas ou tarifas, terão os seguintes prazos: agosto de 2021, para capitais e cidades de regiões metropolitanas; agosto de 2022 para com mais de 100 mil habitantes; 2023 é o prazo dos municípios com população de 50 mil a 100 mil habitantes; e agosto de 2024 termina o prazo para cidades com menos de 50 mil habitantes.

Importante ressaltar, porém, que tais prazos não conferem autorização para operação de lixões a céu aberto, que são proibidos e constituem crime ambiental há décadas, mas sim para a adoção das medidas necessárias à disposição final apenas de rejeitos, o que pressupõe a realização de ações direcionadas à reutilização, reciclagem e valorização dos resíduos sólidos.

Carlos Silva Filho e Fabricio Soler são, respectivamente, diretor presidente da Abrelpe e sócio de Felsberg Advogados. Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.