Valor Econômico
31/08/2020

Por Ana Paula Ragazzi

Papel cai 10% desde o dia 19 de agosto com receio de que não haverá mais a venda da estatal

Desde que no último dia 19 de agosto o governador João Doria (PSDB) usou a palavra “capitalização” em vez de “privatização” ao falar sobre o futuro da Sabesp, as ações da companhia de água e esgoto de São Paulo acumulam queda de 10%, interrompendo recuperação. No mesmo intervalo, o Ibovespa ficou estável. O perfil alinhado de Doria com o mercado e suas declarações no sentido da privatização levaram investidores a comprar ações da Sabesp nos últimos anos, crentes de que o governo venderia o controle. Desde que Doria assumiu, a cotação praticamente dobrou.

“A Sabesp é, entre as estaduais de saneamento, a mais provável de ser privatizada. Sabíamos que ainda assim não seria simples. Mas depois da declaração, preferimos zerar a posição”, diz um gestor. Questionada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) após a declaração de Doria, a Sabesp apresentou uma resposta do controlador dizendo não haver nada decidido sobre o assunto. A Sabesp não deu entrevista. E a assessoria Doria ressaltou que a última declaração dele sobre o tema dias depois foi: “Quero deixar claro que o nosso governo é um governo liberal, pró-mercado”.

Em evento financeiro, Doria falou em uma capitalização da Sabesp “numa primeira etapa”. Isso reavivou na cabeça dos investidores modelo proposto pelo governo Alckmin, que previa a entrada de investidores numa holding, mas mantendo o Estado no controle da empresa. A preocupação é com o fato de a Sabesp ter agora planos de expandir atuação para fora de São Paulo. Os investidores se perguntam, primeiro, qual investidor toparia ser parceiro do governo na empreitada, com as ineficiências e amarras da atuação de uma estatal que já não vem entregando bons retornos. E temem que o modelo de atuação, via formação de consórcios ou sociedades de propósito específico (SPE), possa favorecer eventos de corrupção – como já se viu em outras estatais.

“Estamos no meio do caminho de uma empresa que pode gerar muito valor, pela expertise que tem, melhorando o saneamento brasileiro. Ou pode destruir valor grosseiramente para o Estado. Obviamente, o mercado quer a valorização do ativo, mas essa agenda é muito superior a isso. É realmente de investimento, qualidade de vida e tarifa mais em conta”, afirma um acionista da Sabesp. O ponto deles é que somente nas mãos da iniciativa privada a Sabesp vai ter agilidade e eficiência para participar de licitações em outros Estados, que podem sim, gerar valor à empresa. O exemplo mais festejado é o trabalho da Equatorial nas elétricas em Celpa e Cemar.

Sergio Lazzarini, professor do Insper, diz que já passou da hora de o mercado perceber como é difícil privatizar. “Toda vez que fica claro que esse tipo de processo não vem com um ‘click’, parece que esses investidores tomam um choque de realidade”, afirma Lazzarini. “O mercado precisa aceitar isso para não precificar um processo desses com excesso de otimismo.”

O professor de Economia do Ibmec SP, George Sales, diz que o investidor tem sim razão em estar preocupado. “A empresa vai sair do Estado de São Paulo e para isso precisa de agilidade para participar de novas concessões. Vai lidar com concorrência, gestão de risco, altos investimentos e faz sentido pensar que precisará da agilidade do setor privado, ”, afirma Sales

Nesse aspecto, o mercado olha para números da Cemig. Em 2008, a mineira iniciou a expansão para outras regiões, com projeto de parques eólicos, no Ceará. A alavancagem da empresa, medida pela relação entre dívida líquida e Ebitda, era de 1,3 vez nesse momento. O indicador bateu em 5 vezes em 2016, depois que ela já tinha entrado na Light, Belo Monte, Renova e Furnas. A empresa acabou precisando de capitalização. Sales destaca que fica a discussão de uma eventual necessidade do Estado capitalizar a Sabesp por problemas causados fora de seus limites.

Joelson Sampaio, coordenador do curso de economia da FGV EESP, diz que o investidor sempre vai ter seu olhar sob essa ótica da eficiência. “A priori não é possível afirmar que a atuação dela fora de São Paulo vai ser boa ou ruim. A Sabesp pode ser colocada num grupo de ‘boas estatais’. Mas pelas amarras e burocracias, sempre vai ser vista pelo investidor como ineficiente”, afirma Sampaio. O problema, ele diz, é que numa empresa de economia mista, a palavra final sempre vai ser do Estado, cujo governo muda de 4 em 4 anos.

“Essas empresas também atendem políticas públicas e o político sempre senta e olha o que a empresa vai oferecer também em termos de sua administração. Privatização não é para ficar falando. Tem que chegar e fazer, como foi no governo FHC. Se não há tempo para os grupos se armarem a favor e contra”, diz. Os minoritários também alegam que água e esgoto sempre são temas fortes na política eleitoral.