Estadão

14/11/2019

Por Paulo Beraldo e Vinícius Passarelli

Economista britânico Jim O´Neill acredita que os membros do bloco dos países emergentes deveriam se ‘levar mais a sério’

Os países deveriam se levar mais a sério. Essa é a avaliação da primeira pessoa a citar o termo Bric, ainda no longínquo 2001. As palavras são do economista britânico Jim O’Neill, que na época trabalhava no banco Goldman Sachs e hoje lidera a Chatam House, um think tank focado em relações internacionais no Reino Unido.

PARA ENTENDER

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De acordo com O’Neill, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que integram o Brics, grupo de países emergentes cuja cúpula ocorre nesta semana em Brasília, deveriam consolidar acordos comerciais “mais sérios” entre eles, além de aproveitar as oportunidades reais de cooperação que se apresentam em distintas áreas da economia. Somados, os países possuem um PIB de mais de US$ 20 trilhões, equivalente a 23,5% do total mundial, e população de 3,1 bilhões de habitantes.

“Por que não consideram ativamente acordos comerciais mais sérios entre eles, ou manter mais das moedas uns dos outros em suas reservas?”, questiona. Para ele, não existem muitas áreas naturais de cooperação entre os países, mas ações de combate a doenças infecciosas, como a tuberculose, seriam “definitivamente” uma delas. O tema faz parte da agenda prioritária definida pelo governo brasileiro para a cúpula, bem como ciência, tecnologia e inovação e combate ao tráfico internacional e ao terrorismo.

O’Neill se diz desapontado com o papel político do grupo, que nasceu para promover reformas nas instituições internacionais, como o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC), além de ser um contraponto à predominância dos Estados Unidos. Dez anos após a sua criação, o grupo busca manter a relevância em um momento em que seus membros apontam para direções distintas – o Brasil, por exemplo, tem se aproximado cada vez mais dos norte-americanos e é o único contrário a Nicolás Maduro no governo da Venezuela.

O criador do termo, em um relatório que apontava tendências da economia global para os próximos 50 anos, afirma que ainda faz sentido o bloco existir, apesar de o cenário econômico dos últimos anos ter sido difícil para os emergentes, com quedas nos preços das commodities e do petróleo. “Entre 2001 (quando o termo foi cunhado) e 2010, todos em conjunto ajudaram a alavancar o PIB mundial. China e Índia ainda são forças importantes, e Brasil e Rússia ainda possuem potencial de crescimento maior que toda a Europa e Japão”, afirma. Questionado sobre a África do Sul, diz que o país nunca deveria ter entrado.

 Jim O’Neill diz que os países integrantes deveriam trabalhar pelo fortalecimento do multilateralismo e da ordem internacional para haver uma governança mais eficaz.“Mesmo que haja alguns perdedores domésticos, o comércio internacional é uma vitória para todos”.

China e Índia

 O´Neill avalia que a China é, ao mesmo tempo, uma superpotência e um país emergente. “Com 6% de crescimento real do PIB, o país cria uma Austrália por ano e caminha para se tornar tão grande quanto os Estados Unidos em 10 anos. No entanto, atualmente possui um PIB per capita de apenas US$ 12 mil”, explica.

“A Índia foi na direção próxima daquilo que eu imaginei, e devido seu enorme índice demográfico, realmente pode crescer mais de 10% na próxima década, mas necessita abraçar reformas para melhorar a produtividade”, afirma o economista, que ressalta que a Índia pode iniciar 2020 maior que países como França e Reino Unido. “Ao longo da próxima década, pode tornar-se maior que a Alemanha”.

Brasil e Rússia

Para O’Neill, Brasil e Rússia ainda sofrem da “maldição das commodities” e isso explica por que esta década foi difícil para os dois países. “Eles apenas prosperam quando os preços das commodities estão em alta. Os políticos devem interromper essa dependência e aumentar o investimento em setores privados”, sugere.

 Em entrevista à agência Reuters, o presidente do Banco do Brics, chamado de Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Kundapur Vaman Kamath, afirmou que o banco tem a intenção de apoiar investimentos em infraestrutura no Brasil e assinar um novo memorando de entendimento entre a instituição e o BNDES. O NDB já havia aprovado um empréstimo de US$ 500 milhões para o Fundo Clima, programa administrado pelo banco brasileiro de investimento que busca financiar empreendimentos sustentáveis.