Estadão
03/12/2019

Por Ana Carla Abrão

Se por um lado os governos petistas passaram mais de uma década distribuindo benesses particulares – de forma mais ou menos republicanas –, o presidente Bolsonaro, orgulhoso representante da direita, hoje vacila em avançar nas correções

Há dois temas que deveriam ser capazes de unir os extremos políticos de um país como o Brasil: o combate às desigualdades sociais e a defesa da democracia. Afinal, são esses os alicerces para que justiça social e garantia das liberdades e direitos individuais estejam sempre protegidos. Mas nem esses, que são conceitos universais, têm gerado a convergência necessária para o nosso avanço.

Justiça social não combina com defesa de grupos específicos de interesse e não conversa com a proteção de privilégios – nem à direita e nem à esquerda. E se houve algo a que o nosso país se acostumou ao longo dos últimos anos foi com uma perversa combinação de clientelismo e patrimonialismo, extraindo o pior do que um Estado pode ser para os seus cidadãos. Essa combinação gerou um Estado ineficiente, pouco efetivo e que reforça as diferenças econômicas e sociais e coloca a população refém do seu próprio governo. Nesse contexto, as forças políticas tendem a ceder às pressões de alguns grupos e a defender políticas públicas e práticas que pouco fazem pelo interesse geral, mas muito agradam a alguns poucos privilegiados. Reformas estruturais são relegadas e condenam o País a um crescimento medíocre. Mas garantem-se votos para as próximas eleições, reforçando o mesmo ciclo.

Os exemplos por aqui são fartos: somos um país que tributa de forma regressiva, que ao longo dos anos protegeu as grandes empresas em detrimento das menores e garantiu proteção às camadas de renda mais elevada. Resistimos a privatizar empresas ineficientes para proteger o emprego – e a influência pouco republicana – de alguns às custas de todos. Resistimos até há pouco aos avanços de um marco regulatório que fomente o investimento privado em saneamento deixando metade da população sem acesso a coleta de esgoto, mas mantendo a mão forte (e grande) do Estado no controle de empresas ineficientes. Mantemos contratos de mobilidade urbana por décadas, sacrificando a população que chacoalha todos os dias cruzando os grandes centros urbanos e abrindo mão de avanços tecnológicos e maior comodidade para não desagradar grupos empresariais e políticos. Fazemos política habitacional de costas para a população sem teto, que quer morar no centro e não nas franjas, onde não há infraestrutura, nem lazer e tampouco transporte fácil e decente em nome de políticas públicas pouco eficazes. Isso tudo precisa mudar e as reformas são o único caminho.