Estadão
01/04/2020

Por Célio Egidio da Silva e Rodolfo Roberto Prado*

Está em pleno trâmite pelo Congresso Nacional uma “atualização’ do Marco Regulatório do Saneamento Básico no país (Projeto de Lei nº 4.162/19), mas o leitor deve estar pensando: mais uma ‘lei que não pegará” – termo usado comumente em nosso país para normas que, às vezes, de tão abstratas, são ignoradas pelo próprio Estado que as editou e não cumprida pelas pessoas.

Por outro lado, estamos diante de tema de suma importância para todos e espera-se que a “Lei pegue”.  Um breve mergulho no universo do saneamento básico do país, percebe-se a importância desse serviço público, ofertado muitas vezes às mínguas pelo Estado e por suas empresas, razão pela qual, por muitas vezes colocam-se, tais atividades, em uma posição secundária na sociedade, mas não deveria ter esse formato.

A melhora na Educação passa pelo saneamento: de acordo com o Censo Escolar 2018, do Inep- Instituto Nacional Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, das 181,9 mil escolas da educação básica (ensino infantil, fundamental e médio), 49% não estão ligadas à rede de esgoto e 21% não contam com coleta periódica de lixo.

A Segurança Pública Urbana também navega pela limpeza , pois a denominada “Teoria das Janelas Quebradas”,  A “Broken Windows Theory”, que foi um resultado de pesquisa apresentada pelo cientista político James Q. Wilson e pelo psicólogo criminologista George Kelling, ambos norte-americanos, e publicada, em 1982,  na revista Atlantic Monthly , aponta pela primeira vez,  uma relação entre desordem social e criminalidade. Longe de dissertarmos tal teoria, mas, de maneira resumida, se temos uma janela quebrada e não a consertamos, a possibilidade de outra sê-lo é alta – deduzem que o acúmulo de resíduos (lixo) em várias partes de uma cidade pode proporcionar a desordem e, em seguida, a criminalidade.

Algumas empresas de transporte utilizam tal método, com alta higienização e rápido reparo nos danos, e já perceberam que funciona: ambiente limpo contém elemento de frenagem na pessoa que deseja sujá-lo. Poderia dar mais certo nas cidades, com melhora do serviço de saneamento, que abarca a limpeza urbana.

A melhora na saúde também perpassa pelo tema. A internação por doenças diarreicas é alta, e, em 2013, segundo o Ministério da Saúde, foram notificadas mais de 340 mil internações por infecções gastrintestinais no país. A própria Organização Mundial da Saúde (OMNS) é enfática ao apontar que cada R$ 1,00 investido em saneamento gera economia de R$ 4,00 na saúde.

Uma pesquisa em andamento na região de Dhâka, no Bangladesh, pela Universidade Harvard em parceria com o Centre for Diarrhoeal Disease Research, de Bangladesh, que tem apoio da Fundação Bill Gates, contém resultados preliminares, e indica a falta de saneamento como fator que impactaria na atividade cerebral das pessoas (crianças). Vejam que estamos tratando de três “commodity de serviços públicos” Educação-Segurança-Saúde, que devem ser ofertadas pelo Estado em larga escala e de forma homogênea, e todos tangenciam no assunto saneamento/limpeza urbana.

Então, com tanta necessidade social, por qual motivo o Congresso Nacional não acelera tal procedimento legislativo e põe em prática a melhor e mais moderna forma de oferta indireta, dessas “commodity”, ou “public utilities”?

É fato que o Estado não consegue de forma plena ter investimentos em todas as áreas, razão pela qual os serviços em concessão têm se apresentado como forma de resolver tal equação. Na seara do abastecimento de água e esgotamento sanitário (coleta, tratamento e disposição final), normalmente as empresas públicas ou autarquias realizam tal atividade. Para que haja modernidade, é interessante que a Lei seja aberta para todas as empresas, ou seja, as privadas, de modo que a parceria compreenderia investimentos a longo prazo, planos de qualidade e metas a serem alcançadas.

Tudo parece óbvio, mas não. Na área de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, temos o maior atraso na Lei em discussão no Senado Federal. Se nada for alterado, a Lei pode nascer “velha”, pois simplesmente não contempla a modalidade “concessão” para tais serviços. Tem-se a crença, mesmo que pequena, de que somente agora, com a pandemia da COVID-19, é que os Senadores compreenderão o papel vital da Limpeza Urbana, sua dinâmica e o alcance de toda sua cadeia de serviços que proporcionam a salubridade esperada. Em tempos de grave crise sanitária, a higienização especial das cidades, se faz necessária, tratar a limpeza urbana como mera varrição ou locação de mão de obra é um erro crasso dos municípios e do Poder Público. Estamos sentindo na pele isso. Caso os serviços estivessem na modalidade concessão, seria possível a melhor a articulação entre: Empresa-Estado-Higienização. Lembrando que nosso debate está no bojo dos serviços públicos essenciais.

Lei deve inovar trazer conteúdo moderno para o universo jurídico e social, entende-se que neste ponto, para os serviços em pauta, a melhor forma de realizá-los estaria na formação das Parcerias Público Privadas, que poderiam inovar a área de Limpeza Urbana no país. Este é o momento de demonstrar avanço na forma de contratação, pois a crise se agrava, e não temos muitas alternativas perante a redação atual da Lei. Na verdade, o Senado está engessando a forma de se contratar pela Administração Pública, que poderia ofertar também as denominadas PPP para o setor de Limpeza Urbana, com controles eficazes pela sociedade e criação de indicadores que poderiam, sim, trazer melhora social em todas as áreas.

E quem sabe, nós agora não estaríamos tão incomodados com a crise da COVID-19 –  que avança em escala geométrica, mas que, por outro lado, tem muito a nos ensinar, inclusive como fazer um projeto de Lei.

Célio Egidio da Silva é Doutor em Direito pela PUC-SP, Professor Universitário, Advogado, Jornalista e Diretor Acadêmico da Cursos Premium Gestão Educacional*

Rodolfo Roberto Prado é especialista pela Fundação Getúlio Vargas, Professor em Direito Administrativo e Constitucional e Advogado atuante em Direito Público*