Valor Econômico
20/11/2019

Por Beatriz Olivon

Contribuintes já começaram a levar ao Carf previsões da Medida Provisória 905 na tentativa de derrubar autuações fiscais

Os contribuintes já começaram a levar ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) previsões da Medida Provisória (MP) nº 905 para tentar derrubar autuações fiscais que cobram contribuição previdenciária sobre programas de participação nos lucros e resultados (PLR). Foram destacadas ontem em julgamentos pela Câmara Superior de casos envolvendo a BTG Pactual Gestora de Investimentos Alternativos e a distribuidora de energia Elektro Redes.

A justificativa para os autos de infração é a de que as empresas não seguem os critérios estabelecidos para a isenção. Entre eles, os que exigem a assinatura do acordo (entre empregados e empregador) no ano anterior ao do benefício, a participação de sindicato e regras claras e objetivas ao plano. Esses pontos foram alterados pela MP 905.

No julgamento do primeiro caso da tarde, envolvendo o BTG Pactual, a defesa citou a norma e defendeu a aplicação das novas regras. Dois conselheiros votaram contra a aplicação e um a favor. O julgamento, porém, foi suspenso por um pedido de vista e os demais não se manifestaram sobre esse ponto. Nos processos seguintes o tema também foi levantado, mas não chegou a ser discutido pelos conselheiros.

No caso da BTG Pactual Gestora de Investimentos Alternativos (processo nº 12448.723500/2011-12), além da ausência do sindicato na negociação, o Fisco apontou que faltou clareza e objetividade nas regras do PLR. Por isso, cobrou contribuição previdenciária.

Na sustentação oral, o advogado do banco, Celso Costa, do escritório Machado Meyer, destacou que a MP 905 dispensa a necessidade de participação do sindicato e que, na fixação das regras e valores, a autonomia da vontade das partes contratantes deve ser respeitada e prevalecer ante o interesse de terceiros. “Nesse processo temos o problema com o sindicato e com a interpretação de normas”, disse.

A procuradora da Fazenda Nacional Patrícia Amorim afirmou em sustentação oral que a MP 905 tem suscitado algumas controvérsias. “Mesmo que convertida em lei, não há, nas novas regras, possibilidade de aplicação retroativa”, afirmou. Segundo ela, as normas não têm caráter interpretativo e só produzirão efeitos quando atestadas por ato do ministro da Economia. “Trata-se de um novo regime jurídico a ser aplicado ao fatos novos e se houver ato ministerial.”

Patrícia também citou o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o qual renúncia de receita deverá ser feita com a indicação de compensação com outra receita, o que só acontece na MP para o contrato de trabalho verde e amarelo. No caso de PLR, acrescentou, haverá renúncia de receita. “Não foi esse o intuito da medida”, disse. “Não se deve aplicar as novas regras da MP.”

Para a relatora, conselheira Maria Helena Cotta Cardozo, representante dos contribuintes, a MP não se aplica a fatos que levaram a cobrança do tributo ocorridos antes da sua edição. Ela acrescentou que é necessário ato do ministro da Economia para que as previsões passem a valer. “Quando houver o sinal verde para a aplicação, vou aplicar a norma, mas daqui para frente. E nem estaríamos discutindo isso, pois não seria objeto da autuação”, afirmou.

No mesmo sentido votou o conselheiro Mário Pereira de Pinho Filho, representante da Fazenda. A conselheira Ana Paula Fernandes, representante dos contribuintes, divergiu. De acordo com ela, a MP traz a interpretação de norma antiga e não mudança, uma vez que ela já vota no mesmo sentido do novo texto. “Esse é o posicionamento de metade da Câmara Superior, que fica vencida no voto de qualidade [o desempate do presidente], disse.

No mérito, a relatora aceitou apenas parte do recurso do banco por causa do paradigma apresentado. Nesta parte, sobre a ausência do sindicato, negou o pedido. Para ela, faltou acordo com o sindicato da categoria para o pagamento ser válido. O voto foi seguido por outro conselheiro representante da Fazenda. Em seguida, a conselheira Ana Paula Fernandes divergiu e o julgamento foi suspenso por pedido de vista.

Ontem, a Câmara Superior analisou ainda outras seis autuações recebidas pelo banco e as manteve. Os casos eram de PLR, sem participação de sindicato, e bônus de contratação (hiring bônus). O advogado do banco, Leandro Cabral, do escritório Velloza Advogados,

também citou a MP na defesa oral, mas afirmou que, no caso, o sindicato foi convidado e se recusou a participar do acordo, o que autorizaria o plano mesmo antes da MP.

Os processos do BTG integram uma lista de 39 autuações que o banco e subsidiárias receberam por causa da tributação de PLR e somam R$ 608,9 milhões. Procurado, o banco afirmou que não irá comentar a decisão.

A MP 905 também foi usada como argumento em uma autuação envolvendo a distribuidora de energia Elektro Redes (processo nº 35601.000216/2007-65). Nela, os conselheiros analisaram a cobrança de contribuição previdenciária sobre assistência médica hospitalar, previdência privada e PLR.

Na defesa oral, a advogada Diana Piatti Lobo, do Machado Meyer, afirmou que a MP traz princípios e a interpretação de conceitos com relação ao que já existia e já era aplicado na legislação. A advogada questionou se não era o caso de analisarem esse ponto antes do julgamento do mérito. Os conselheiros, porém, não entraram nessa discussão pelo fato de não terem analisado o mérito.